(Esporte Fino, 30/03/2015) A primeira partida oficial de futebol feminino comemorou 120 anos há uma semana, no dia 23 de março, e desde que o jogo começou a ser praticado por mulheres as opiniões divergem. Mesmo depois de tanto caminho percorrido e tantas barreiras ultrapassadas, ainda há quem diga que mulher não serve para jogar futebol, que o jogo delas é lento, que não atrai público e patrocínio. O mesmo discurso impera no meio há mais de um século.
O primeiro jogo reconhecido pela FIFA aconteceu em 1895 e foi organizado por Nettie Honeyball, fundadora do British Ladies Football Club, time que representava o Norte da Inglaterra e que goleou o time do Sul por 7×1. A partida aconteceu no Crouch End Athletic, em Londres e, segundo o jornal “The Guardian”, atraiu 10 mil curiosos, entusiastas, jornalistas e críticos.
As mulheres não tinham experiência nenhuma no esporte e ainda entraram em campo uniformizadas com blusas, chapéus e calças muito largas amarradas abaixo do joelho. A roupa da ocasião foi tratada como uma evolução, afinal, mulheres só usavam saias longas em competições.
“Debo decir que la impresión que me ha dejado el partido de esta tarde ha sido la de un espectáculo bonito”, afirmou um jornalista do The Guardian, identificado como “una mujer reportera”, deixando claro a pouca consideração que as mulheres profissionais recebiam há mais de um século. O jornal de Manchester também apoiou a prática feminina: “Não há nenhuma razão para que as mulheres não abracem este esporte como um novo e saudável de entretenimento”.
As críticas do Bristol Mercury and Daily Post reverberaram intolerância e preconceito. “Não sabem e nunca saberão jogar futebol. Nos alegramos que as mulheres não saibam jogar futebol e, mesmo que fossem capazes, este esporte sempre será inadequado ao seu sexo”.
No Brasil, registra-se que o futebol feminino chegou por volta da década de 20 e seguiu pelos anos 30 e 40 praticado apenas como lazer, eventos beneficentes e espetáculos que atraiam grande quantidade de público. Em 1941, o então presidente Getúlio Vargas proibiu a prática de alguns esportes para as mulheres, dentre eles, o futebol. O impedimento seguiu com o golpe militar de 1964 e somente nos anos 80 é que a pratica foi reconhecida oficialmente.
O preconceito e a proibição atrasaram a evolução do futebol feminino no Brasil, que ainda sofre com a falta de apoio, investimento, visibilidade e desenvolvimento. Grandes clubes não investem na modalidade alegando não haver retorno, patrocinadores não investem dinheiro alegando não haver visibilidade, o público não assiste as partidas porque não há exposição e assim, nessa toada, o esporte não cresce.
Em junho, no Canadá, acontece a 7ª edição da Copa do Mundo Feminina de Futebol. Pouco se ouve falar do torneio, das jogadoras, da seleção. Muitos acreditam que as grandes craques atuam somente fora do país e, por isso, não há visibilidade. Quase ninguém sabe que a CBF montou uma seleção feminina permanente, com o intuito de preparar intensamente o grupo e se tornou responsável pelo condicionamento (físico e técnico) das atletas, além do salário, afinal, as jogadoras deixaram seus respectivos clubes para dedicação integral ao selecionado.
Será que esse é o caminho certo para difundir o futebol no Brasil? Será que é justo desfalcar times que investem na modalidade como o São José e o Centro Olímpico, para que possamos alcançar um título inédito pela seleção? Alguém pensa na base do futebol feminino, na revelação de talentos, em massificar os torneios como o Brasileirão e Copa do Brasil?
Infelizmente, nossa Marta, Formiga, Cristiane e Érika não durarão pra sempre. Marta é gênio com a bola no pé, é fato, mas sabemos que ela sobrevive da profissão porque atua fora do país. Mas e as outras? Não é justo ver tanto talento vivendo de migalhas pagas durante sete meses de um ano e sem o devido reconhecimento. Parece que, ainda hoje, vivemos exatamente a mesma realidade de 100 anos atrás, precisando provar para a sociedade que o futebol feminino pode ser verdadeiramente apreciado.
Roberta Nina Cardoso
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