Um relatório sobre gênero na mídia em Moçambique, da organização não-governamental H2N, publicado em 2023, aponta que a presença feminina nas redações estagnou em 27% de mulheres e 73% de homens, sendo a imprensa escrita a que tem menos mulheres.
“Nós fizemos uma análise que cobria 60 órgãos de mídias no país. É um número grande e o resultado foi assustador. As mulheres quase não estão, e se elas não estão muito bem representadas, as suas vozes não são ouvidas. Não só ao nível da mídia como tal, mas o que a mídia vai reportar”, diz Sheynise Musé, coordenadora da H2N.
As mulheres moçambicanas têm que lidar com a batalha da invisibilidade por conta das barreiras históricas e culturais. E inseridas em um ambiente político complicado, o papel delas se tornou crucial na promoção dos direitos humanos e da transparência em vários níveis. É preciso enaltecer o esforço das jornalistas moçambicanas que mesmo com os desafios diários da profissão, conseguiram se destacar e se esforçam em abrir caminhos para as futuras gerações de jornalistas mulheres.
Preconceito que começa em casa
Rosa Nguane, é um dos exemplos de jornalistas moçambicanas de sucesso. Com experiência de mais de 40 anos, ela se destaca como uma das poucas dentro do jornalismo esportivo do país. E passou por preconceito até dentro de casa no início da profissão: “Eu quando disse ao meu pai que queria ser jornalista ele disse que era profissão de brincadeira e perguntou se eu não queria ser bancária, engenheira agrônoma, mas eu insisti e ele me apoiou. Mas a coisa piorou quando eu decidi ser jornalista esportiva, que é a minha especialidade”.
Conceição Matende é jornalista da Rádio Alemã DW e também lidou com o preconceito por parte da família. “O jornalismo naturalmente não obedece horários, e muitas vezes você deixa filhos e marido para ir pra rua, por isso, em algum momento a nossa família tem preconceito. Ainda há quem diga que o jornalismo não foi feito para mulheres, mas já estamos a quebrar estas barreiras.”
A batalha pela equidade de gênero
O trabalho em campo nunca foi tranquilo para Nguane. “Quando comecei era um pouco estranho, porque como jornalista esportiva frequentava muitos lugares onde só haviam homens. E quando eu chegava tinha sempre um que dizia para os outros se vestirem porque estava vindo uma mulher”, lembra ela. E tinha ainda o trabalho de convencer as mulheres atletas a darem entrevista. “Eu achava absurdo querer falar sobre o desempenho de uma atleta, mas ter que falar com o treinador”.
Ela se entristece de ver tantos casos de assédio, inclusive sexual, que as repórteres sofrem ainda hoje. “As meninas que querem ser jornalistas tem que ultrapassar muitos e ferozes obstáculos e depois têm que trabalhar o dobro que os homens para serem reconhecidas”, diz. Atualmente, Nguane trabalha na Agência de Informação de Moçambique e faz um trabalho de apoiar jovens jornalistas em Nampula, norte do país, que enfrentam barreiras de gênero para ingressar na profissão.
O discurso de Nguane é sempre o de encorajar as mulheres. “O jornalismo é uma atividade que requer sensibilidade, capacidade de compaixão, pensar e sentir pelo outro e entender as emoções do próximo e essas qualidades e virtudes encontramos nas mulheres”.
A batalha pela pauta
Matende considera que mesmo as mulheres que têm hoje mais espaço nas redações de Moçambique, estão constantemente em teste. “Ainda que sejamos competentes e capacitadas, temos sempre que provar que somos. Por exemplo, na reunião de pauta temos que apresentar propostas mais convincentes do que as dos homens para que sejamos confiadas a coberturas quer sejam de sociedade ou de política”.
Nguane considera que a situação está um pouco melhor, mas se lembra bem como era injusta a distribuição de pautas quando começou na profissão. “Os assuntos das crianças, dos órfaos e mulheres, isso ficava para as repórteres. Enquanto que assuntos de economia, finanças, política, isso era assunto para os homens”, diz ela. “Então a nossa guerra sempre foi conseguir ter oportunidade e mostrar que somos capazes de escrever uma história sobre política, economia e desporto, e não ficar conformadas”.