“Eu tinha muita credibilidade junto a meu chefe até engravidar. Isso mudou completamente quando meu filho nasceu. Ele tem a mentalidade de que o funcionário bom tem de estar presente o tempo todo no escritório.”
(Folha de S.Paulo, 17/05/2017 – acesse no site de origem)
“Nós somos malvistas pela meia hora que paramos para ordenhar, mas as pessoas que saem para fumar, não.”
“Antes de engravidar, ouvia relatos de que as mulheres que voltavam de licença eram submetidas a testes velados de comprometimento com o trabalho, como viagens longas mesmo amamentando. Comecei a ficar mais atenta depois que engravidei e percebi que aquilo era mesmo realidade.”
“Meu marido é muito comprometido com a criação dos nossos filhos. Mas ele faz menos do que eu porque encontra mais barreiras. Eu falo com minha chefe pelo telefone com as crianças fazendo barulho no fundo. Ele não. Para ele, é mais difícil dizer que precisa levar o filho ao pediatra. É como se ele não tivesse esse direito.”
“Estou feliz profissionalmente, sou bem-sucedida, mas, sem dúvida, ganho menos do que os homens na mesma posição que eu.”
“A empresa onde trabalho estimula a participação feminina na gestão. Mas não me interessaria de novo por um cargo de chefia. Teria de abrir mão de muita coisa da vida da minha filha para ganhar muito pouco em troca.”
Esses são trechos dos depoimentos de algumas mulheres que colhi no último mês, ao fazer uma reportagem sobre as diferenças salariais entre homens e mulheres, publicada pela Folha no domingo (14).
Leia também: Ser mãe faz mulher ganhar salário menor do que o de homem (New York Times/UOL, 18/05/2017)
Preservo a identidade das entrevistadas —profissionais de diferentes setores, entre 30 e 40 anos, que tiveram filhos há pouco tempo— por se tratar de um tema sensível.
Suas declarações são evidências anedóticas do que sabemos por experiência própria, de pessoas próximas ou por intuição: a igualdade entre os gêneros ainda é uma realidade distante do mercado de trabalho.
Houve avanços inegáveis. Mas barreiras, que precisam ser mais bem compreendidas, persistem.
As pesquisas que buscam elucidar diversas dessas questões são recentes. Elas começam a ser viabilizadas com o amadurecimento de bancos de dados do mercado de trabalho que permitem o acompanhamento das pessoas ao longo de suas vidas profissionais.
O que já sabemos?
Sabemos que as mulheres aumentaram significativamente sua escolaridade —no Brasil, desde o início da década passada, elas contabilizam, em média, mais anos de estudo do que os homens.
Sabemos que, paralelamente, a participação feminina no mercado de trabalho avançou muito. Apenas 44,4% das mulheres nascidas entre 1953 e 1957 no Brasil trabalhavam ou buscavam uma ocupação quando atingiram entre 25 e 29 anos.
Para a geração feminina nascida entre 1978 e 1982, esse percentual —também entre 25 e 29 anos— era de 69,9%.
Sabemos que a distância entre os salários dos homens e das mulheres era muito maior na época dos nossos avós. Ela vem caindo de geração para geração, embora essa tendência rumo à equiparação esteja se tornando mais lenta.
Descobrimos ainda que, quando se trata de uma mesma geração, as mulheres têm estreado no mercado com remuneração parecida— em alguns casos idêntica— à dos homens. Mas que, uma década depois do início da vida profissional, a diferença salarial, a favor dos homens, se torna substancial.
Há indicações bem amparadas por dados de que o aumento desse hiato nos salários está bastante associado à fertilidade; que o crescimento da diferença entre as remunerações é muito maior entre homens e mulheres mais qualificados do que entre os profissionais com pouca escolaridade. Os salários dos maridos parecem influenciar na probabilidade de que as mulheres parem de trabalhar.
Pesquisadores têm mostrado ainda que mesmo as mulheres sem filhos, se forem casadas, ganham relativamente menos do que os homens e do que outras mulheres solteiras (mesmo com escolaridade e outras caraterísticas idênticas).
O que precisamos entender melhor?
Falta melhor compreensão sobre como discriminação e escolhas individuais —de mulheres e famílias— interagem.
Sabemos que o preconceito de empregadores contra as mulheres existe, ainda que tenha diminuído. Algumas empresas já discutem a possível existência do que chamam de “viés de seleção” na hora de decidir promoções a níveis hierárquicos mais altos.
Sabemos também que muitas mulheres ainda interrompem a carreira ou escolhem posições que lhes demandam menos para cuidar dos filhos.
Mas o que é causa e o que é efeito? Será que as mulheres tomariam decisões diferentes se não sentissem —como foi o caso de uma das entrevistadas que cito acima— que a maternidade as levariam a passar por “testes de resistência” injustificáveis no trabalho?
Será que, se seus maridos não fossem “malvistos”, como disse outra entrevistada, por tentar exercer um papel mais ativo na criação dos filhos, as escolhas femininas seriam diferentes?
Será que, se as empresas aumentassem a oferta de desenhos mais flexíveis de jornada de trabalho —como a possibilidade de trabalhar horas não contínuas e passar mais tempo em casa, tanto para mulheres quanto para homens—, a produtividade dos funcionários não aumentaria?
São algumas das questões que demandam mais pesquisas, mais entrevistas, mais atenção, mas políticas específicas das empresas, se quisermos que a diversidade no mercado de trabalho continue aumentando.
Aumentar a escolaridade das mulheres tem sido importante, mas claramente não basta.
Érica Fraga é jornalista com mestrado em Economia Política Internacional no Reino Unido. Venceu os prêmios Esso, CNI e Citigroup. Mãe de três meninos, escreve sobre educação, às quartas.