Mulheres encarceradas e egressas da prisão enfrentam dificuldades para receber salário penal

Autonomia_Direitos_Mulheres

Manifestação pelos direitos das mulheres em Porto Alegre, em novembro de 2017. Foto: Fora do Eixo

14 de fevereiro, 2025 AzMina Por Adriana Amâncio e Mariana Rosetti Maia

Egressas levam anos para receber remunerações atrasadas e temem recorrer ao Estado por medo de voltar para a prisão

  • Muitas mulheres encarceradas não são pagas adequadamente por seu trabalho, apesar da promessa de pecúlio, elas não recebem o valor integral ou enfrentam atrasos;
  • As saídas temporárias também são marcadas por dificuldades, como a falta de transporte adequado e a distância das agências bancárias para o saque do dinheiro;
  • Após a libertação, elas encontram barreiras para recomeçar suas vidas, por conta da exclusão social, o descaso estatal e o estigma que dificultam a reintegração.

Cristilane Souza sofria todos os dias na cela da unidade prisional, pensando na falta de remédio para Caio, seu caçula de 4 anos, que sofria crises nervosas por conta de um déficit intelectual. Ao ser presa por tráfico de drogas, buscou trabalho imediatamente, comprometendo-se a bancar o medicamento do filho. Mas, apesar de trabalhar 8 horas por dia enquanto estava presa, o salário nunca chegou.

A primeira vez que esteve na Colônia Prisional Feminina de Abreu de Lima (CPFAL) foi em 2012, quando ainda carregava o filho Caio no ventre. “Eu fui algemada e presa grávida. Eu só sabia chorar, nunca fiquei distante dos meus filhos”, relembra, com a voz embargada.

Para Cristilane, a condição do filho é reflexo da forma como sua prisão aconteceu, levada em um porta-malas, ao lado de dois homens algemados. “Os policiais disseram: ‘Se eles tentarem algo contra você, dê murro que a gente escuta’. Eles sabiam do risco, mas me deixaram lá. Eles poderiam me colocar no banco da frente, mas não quiseram”, recorda.

Na época, Cristilane aguardou o julgamento em liberdade e seu filho Caio nasceu fora das grades. Mas, em 2016, a sentença saiu, e ela voltou ao presídio — a 30 km do Recife (PE), longe da família. Sob os cuidados da mãe e de uma irmã, ficaram Caio e Helen, sua filha mais velha, de 7 anos.

Foi em 2017 que Cristilane começou a trabalhar na Indapol, uma fábrica de formas para doces e salgados com uma unidade dentro do presídio. Além do trabalho na linha de produção, acumulava a limpeza da cozinha e de outros espaços. Trabalhou por três meses sem receber um centavo, até que soube depois pela CPFAL que a empresa tinha falido, e foi tomada pelo desespero e pela angústia.

Trabalham para manter o sustento, mas não recebem

Sem ter mais o emprego, ela recorreu ao trabalho informal de faxinar as celas na prisão para atender às necessidades mínimas dos filhos (alimentos e remédios). “Lavava o quadrado, o banheiro, juntava água em baldes para o consumo quando faltava”. E recebia das colegas de cela R$ 10 por faxina, por mês ou por semana.

Hoje, aos 38 anos, moradora do Ibura — uma das comunidades mais vulneráveis do Recife — Cristilane Souza tem uma história de vida marcada pelo cárcere. Ela encontra forças nas colegas do grupo “Liberta Elas”, coletivo feminista de Recife, que apoia mulheres atravessadas pelo cárcere. Assim como ela, muitas mulheres sofrem para fazer dinheiro dentro das penitenciárias, receber o que têm direito do Estado e garantir o sustento dos filhos que ficaram sob cuidado de parentes.

Apesar de trajetórias distintas, ao serem presas, essas mulheres compartilham a mesma realidade: trabalham e servem como mão de obra barata ao sistema prisional, mas esbarraram em um Estado que negligencia direitos básicos.

Quando realizam trabalho durante a prisão, elas podem receber até ¾ de um salário mínimo na forma de ‘pecúlio’. Por exemplo, Cristilane deveria ter recebido R$ 300, com base no salário vigente da época (R$ 937). Desse total, R$ 110 ficaria retido em uma conta poupança para sacar ao fim da pena. A diferença, R$ 190, deveria ter sido entregue para ela a cada mês, em mãos, mas isso nunca aconteceu.

Sobreviventes do cárcere muitas vezes enfrentam barreiras para acessar o pecúlio. Esse valor, acumulado pelo trabalho prisional, é previsto na Lei de Execução Penal (LEP) e representa mais do que uma compensação financeira — frequentemente é a única renda para seus familiares e a forma de recomeço fora das grades.

Burocracia e falta de informação dificultam acesso

No caso de Cristilane, o pecúlio foi pago parcelado, cinco anos após cumprir a pena, e em esquema de rodízio, contemplando cinco mulheres de cada vez. A ausência de informação clara e a burocracia fazem com que muitas mulheres dependam de voluntários e organizações sociais para acessar o valor. Assim, o que deveria ser um direito, obtido por meio de trabalho executado, se transforma em mais uma forma de penitência.

A falta de transparência é uma das críticas que Raíssa Lustosa faz à gestão do pecúlio em Pernambuco. Ela é mestre em Direito, pesquisadora e ativista do grupo “Além das Grades”. “Quando as mulheres são presas, não é realizado um seminário sobre direitos e deveres na prisão. É tudo muito obscuro, elas não sabem exatamente como podem acessar o pecúlio”, frisa.

O benefício é regido pela Lei de Execução Penal Estadual de Pernambuco, que autoriza o seu uso para compra de itens de higiene, provisão de alimentos dos dependentes e indenização de terceiros. Mas a lei “deixa brechas quanto ao prazo para pagamento do valor”, observa Raíssa. “Isso dificulta para que a mulher possa recorrer na justiça”, critica.

O medo de cobrar o que têm direito

O cárcere, o julgamento e a culpa impõem às mulheres uma carga de vulnerabilidade que as impede de cobrar o pagamento do pecúlio. Muitas, ainda sob custódia — especialmente nos regimes semiaberto e aberto — temem que acionar a Justiça possa agravar suas penas ou comprometer os benefícios já conquistados.

Raíssa explica que problemas como o pagamento do pecúlio não podem ser levados à Vara do Trabalho, pois conforme a LEP, o trabalho na prisão não gera vínculo [empregatício]. “Essas mulheres só acessaram esses trabalhos porque estão contidas ali [no presídio] pelo Estado, elas são responsabilidades dele [Tribunal de Justiça de Pernambuco]”, esclarece.

A reportagem d’AzMina entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria Executiva de Ressocialização de Pernambuco (Seres) para ouvi-los sobre o relato da Cristilane e entender como o Estado atua na garantia dos direitos das presas. Também contatamos a assessoria de imprensa da Polícia Militar de Pernambuco em busca de respostas sobre a condução de homens e mulheres presos em um mesmo veículo, como foi relatado por Cristilane. Até o fechamento desta matéria não recebemos respostas.

Acesse a matéria no site de origem.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas