(O Globo, 10/05/2015) Brasil é 20º em ranking de 41 países. Aqui, elas ficam mais tempo no poder
Tal qual no conto de Lewis Caroll, no mercado de trabalho, a passagem ao “país das maravilhas” ainda é feita por portas diminutas para as Alices. E isso porque apenas 10,53% das vagas em diretoria de corporações são ocupadas por mulheres, um patamar que deixa o Brasil em 20º lugar num ranking de 41 países. Quem cruza a tal “porta”, mantém-se em média 7,6 anos no topo da carreira, a quarta melhor média de longevidade mundial. Mas não há truques de mágica neste aparente paradoxo.
— Ter mulheres em cargos de chefia é muito diferente de mantê-las lá — afirma Sucheta Nadkarni, professora da Judge Business School, de Cambrigde, e autora do estudo “A ascensão da mulher na sociedade: capacitadores e inibidores”.
O levantamento divulgado parcialmente no mês passado analisou dados públicos de 1.002 empresas, de 41 países, listadas como as maiores do mundo pela “Forbes”. No Brasil, foram analisadas estatísticas de 28 companhias entre 2004 e 2013, e o país encontra-se em patamar mediano em grande parte das variáveis.
Das exceções, vêm as pistas que explicam o tímido acesso ao topo. Embora a proporção de mulheres com mais anos de estudo seja superior ao de homens no Brasil, na comparação mundial, as brasileiras ficam em 31º lugar, com 13,6 anos de estudo, em média. O percentual de mulheres na força de trabalho entre 2004 e 2013 fica abaixo da média, com índice de 43,3%, e o país é classificado em 24º entre as 41 nações. Os dois parâmetros são, na opinião de Sucheta, as chaves para a maior entrada feminina no mercado:
— O empoderamento das mulheres, basicamente aumentando os anos de estudo e o número delas na força de trabalho, é o maior incentivo para contratar mulheres no comando. Se elas desempenham um papel mais proeminente no mercado, as empresas precisam contratar mais mulheres na chefia, caso contrário, não atenderão às demandas do mercado.
Outras variáveis explicam a disparidade entre homens e mulheres. Professora da UFF e especialista em trabalho e desigualdade de gênero, a economista Hildete Pereira lembra que a divisão entre lar e trabalho é a principal barreira para elas e explica por que o percentual das mulheres na força de trabalho não mudou muito desde os anos 1990:
— Isso passa pela não conciliação de trabalho e família. Até 2002, as creches tinham cobertura de 7% da população que poderia frequentá-las. Hoje, está em 21%. As crianças de 0 a 3 anos são tratadas como se fossem problema das mulheres. Os homens estão na periferia do problema — aponta. — O difícil acesso ao topo mostra que ainda há certas portas fechadas.
Para Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da UFRJ, o funil discriminatório ainda é explicado por um fenômeno conhecido como “mulheres álibes”.
— As oportunidades no topo são raras. Mas se alguém chegou lá, entende-se que está tudo bem. As outras que não chegaram é que não são capazes. Mas, na verdade, a regra aqui é a excepcionalidade — ressalta Lena. — Numa sociedade extremamente hierarquizada, desigual, também no que diz respeito às oportunidades para mulheres, mesmo que elas façam parte da elite, o perfil será o do poder patriarcal e falocrata.
LONGEVIDADE É MAIS FÁCIL NO TOPO DO QUE NA BASE
No quesito longevidade, o Brasil está atrás apenas de México, Hong Kong e Estados Unidos. Hildete aponta que no topo da carreira é mais possível arcar com os custos da ajuda em casa, o que ajuda a explicar a permanência feminina:
— A possibilidade de conciliar a maternidade com a carreira é mais fácil no topo do que na base. As mulheres brasileiras podem pagar, se quiserem e puderem, um exército dentro de casa. Isso não acontece assim em outros países.
A média alta de anos em altos cargos também aponta para um mercado pouco aquecido, com relativamente pouca mobilidade de altos executivos, especialmente mulheres.
— Muitas empresas brasileiras ainda são controladas por famílias e isso pode acabar gerando uma maior estabilidade nos cargos em geral, nas posições de controle, independentemente do gênero. Nos países anglosaxões, onde o controle das empresas é mais difuso, há uma mobilidade maior dos executivos — indica Silvia Fazio, presidente da W.I.L.L., organização brasileira com foco no desenvolvimento da carreira de mulheres na América Latina.
— Existe, de fato, esse teto invisível, seja ele criado pela empresa ou pela própria mulher, que por questão de cultura acaba não fazendo o mesmo tipo de pressão que os homens para aumentos salariais. Por isso, são tão importantes iniciativas de coaching e networking para mudar a cultura corporativa femina e as oportunidades que existem para elas.
Com 27 anos de carreira, Renata Greco, de 45 anos, já trabalhou no setor bancário, predominantemente masculino, e no de serviços, onde as mulheres representam até 80% da força de trabalho. Desde janeiro, ela é vice-presidente Comercial Grandes Contas da Cielo, uma das empresas brasileiras incluídas no levantamento. Mãe de um menino, ela reconhece que teria sido mais difícil equacionar a vida pessoal e carreira caso tivesse optado por ter mais filhos.
— Progredir na carreira, ter uma condição favorável, ajuda. No começo, é mais dificil ter uma estrutura de babá, empregada, motorista. Mas a questão é aprender a equacionar a vida pessoal e profissional. Na minha casa, meu filho de 7 anos dorme e acorda maistarde. Assim, chego em casa e ainda tenho duas horas com ele para brincar e fazer tarefas — conta. — Exceto pela maternidade não há diferenças. A mulher deve ser vista como qualquer executivo que pode executar tão bem quanto, ou melhor, as funções.
Eleita a primeira mulher vice-presidente na história da empresa de distribuição CPFL Energia no início do mês, Karin Luchesi, de 38 anos, acostumou-se a ser a única representante feminina em conselhos administrativos.
— No setor elétrico, há poucas mulheres pela própria formação. A distorção começa no acesso. Quando olha-se a base, o público feminino é menor — afirma Karin. — Conciliar essa vida pessoal hoje é mais fácil porque sou eu e meu marido apenas. Mas a empresa sabe que tenho planos de curto prazo de ter filhos e nem por isso me preteriu na disputa por um cargo mais alto.
Há 20 anos na Natura, uma das empresas incluídas no levantamento, a carioca Denise Figueiredo, de 49 anos, ocupa há dez anos no cargo de diretora da marca em São Paulo. Num setor onde a presença feminina é maioria, ela pode contar com benefícios, como creche no local de trabalho, para conciliar carreira e vida pessoal.
— O fato de estar nesse segmento de cosméticos ajuda a intensificar as oportunidades. Mas o gênero não deveria nunca ser um impeditivo. A mulher tem diversos papeis e é possível conciliá-los — afirma ela, que tem três filhos. — Ter um salário para criar uma infraestrutura é muito bom, mas a conciliação tem muito daquilo que a empresa pode te oferecer não apenas como funcionária, mas como mulher.
Thais Lobo
Acesse o PDF: Mulheres ocupam só 10,53% das vagas em diretoria de empresas (O Globo, 10/05/2015)