Mulheres são apenas 5% das contratações de altos executivos no país

21 de maio, 2014

(O Globo, 21/05/2014) Presidente da Kuehne + Nagel, multinacional de logística, Nádia Ribeiro foi uma das três únicas mulheres num encontro global da empresa que reuniu cerca de 90 pessoas, há três semanas, na Suíça. Nada anormal, infelizmente. Ser minoria é tão parte da rotina da executiva quanto as frequentes viagens a negócios. Nádia, a primeira mulher a ocupar o mais alto cargo da empresa no Brasil, integra um grupo seletíssimo de executivas na linha de frente de grandes companhias no país, como Cláudia Sender, presidente da TAM; Graça Foster, da Petrobras; Chieko Aoki, do grupo de hotéis Blue Tree; e Luiza Helena Trajano, da cadeia varejista Magazine Luiza. Parecem muitas assim, elencadas, mas elas representaram apenas 5% das contratações de altos executivos ano passado no país, segundo uma pesquisa inédita da Page Executive, empresa de recrutamento de altos diretores ligada ao PageGroup.

— Na nossa indústria, é meio natural que as mulheres sejam minoria. É uma profissão que exige a presença em viagens e eventos. Muitas vezes, o momento em que a mulher está começando a crescer na carreira é o mesmo em que ela dá uma parada para ter filho. No meu caso, consegui o equilíbrio porque tive uma família bacana. Mas sempre digo a outras que não é preciso escolher. A mulher pode ser tudo, mas precisa se organizar — afirma Nádia, mãe de duas jovens, de 25 e 29 anos.

Annette Taueber, diretora da Lufthansa para o Brasil, diz que muitas mulheres têm de escolher entre família e trabalho Marcos Alves / Agência O Globo

Família é fator decisivo

A questão familiar é mencionada também por Annette Taueber, diretora da companhia aérea alemã Lufthansa no Brasil, ao comentar a miúda participação do sexo feminino em posições de alto escalão.

— Numa determinada idade, as mulheres passam por escolhas entre família e trabalho. Claro que isso diferencia a nossa carreira da dos homens. Considero o número de mulheres em posições altas bastante baixo. Ainda existe muito para melhorar. Acho que é uma questão tempo — diz Annette, acrescentando que 14,5% dos 120 mil empregados da empresa em que ela trabalha são do sexo feminino. — Não posso dizer que já tenha sofrido tratamento diferenciado ou preconceito. Na indústria de turismo, as mulheres têm papel importante.

Para Marcelo Cuellar, diretor-executivo da Page Executive no Brasil, a baixa proporção de executivas admitidas para esses cargos é resultado de um efeito cascata:

— O que ocorre é que as empresas vão buscar presidentes em camadas inferiores. E, historicamente, há mais gerentes, diretores e vice-presidentes homens. Muitos executivos me perguntam como aumentar o número de mulheres na direção, mas é artificial ajustar esse desalinhamento pelo alto escalão. Esse processo é um caminhar. As empresas precisam fazer um mapa sucessório, com uma política corporativa que garanta a certificação de que as mulheres serão tratadas igualmente dentro do crescimento hierárquico.

Outro estudo recente, da consultoria Strategy& (antiga Booz & Company), mostra que as presidentes executivas têm maior probabilidade de ser demitidas que seus equivalentes do sexo masculino. O percentual para elas é de cerca de 40%. Para eles, de 30%, revelou levantamento, que considerou a entrada e a saída de CEOs das 2.500 maiores empresas de capital aberto do mundo entre 2004 e 2013, brasileiras incluídas.

— No levantamento, consideramos três tipos de saída: planejada, por fusão e por demissão. Acredito que, como o número de CEOs mulheres está crescendo recentemente, ainda é cedo para elas saírem de forma planejada. Então, proporcionalmente, a quantidade de demitidas acaba sendo maior. Além disso, ainda há um ambiente difícil para as mulheres nesses cargos, em geral. Elas têm de lidar, por exemplo, com conselhos formados majoritariamente por homens. Esse é um processo em amadurecimento — avalia Carlos Eduardo Gondim, diretor da consultoria.

Na semana passada, a discussão ganhou força por conta da demissão de Jill Abramson, editora-chefe do diário americano “The New York Times”. Ela teria confrontado executivos da empresa por ter descoberto que seu salário era menor que o de Bill Keller, a quem sucedeu. O jornal, entretanto, negou que a saída de Jill tenha a ver com sexismo, mas, em nota, atribui a demissão a problemas de temperamento da jornalista.

Perspectiva é de crescimento

A pesquisa da Strategy& indica também perspectivas positivas, com avanço na participação de mulheres nos mais altos cargos das companhias. Elas somavam apenas 2,1% dos CEOs admitidos no período de 2004 a 2008. Entre 2009 e 2013, passaram a 3,6%. A evolução existe, mas é lenta: em 2040, diz a consultoria, as mulheres poderão chegar a um terço dos ocupantes do mais alto cargo das empresas.

Gondim observa que a participação de mulheres em cargos de comando varia entre as regiões do mundo e com os diferentes setores:

— EUA e Canadá estão à frente. Do outro lado ficam países com um perfil mais conservador, como o Japão. Em relação aos segmentos, há uma maior entrada de mulheres em tecnologia da informação e no setor de bens de consumo. Já em telecomunicações e bens industriais esse crescimento é menor.

Silvana Andrade, doutora em História e professora do Ibmec, no Rio, tratou do assunto em sua tese de doutorado sobre representações, identidades e trajetórias de mulheres no Brasil, transformada no livro “Eu sou uma pessoa de tremendo sucesso”. Ela explica que as dificuldades de ascensão das mulheres em grandes empresas têm origem, sobretudo, em questões culturais.

— Não há uma barreira formal. Nenhuma empresa tem política que não permita a chegada delas ao alto escalão. O que dificulta é uma espécie de “teto de vidro”: invisível, mas rígido. Isso vem de questões culturais, da dificuldade de conciliar família e trabalho e do próprio preconceito velado que existe na sociedade — afirma.

Silvana ouviu dez diretoras e gerentes de recursos humanos de grandes empresas para o trabalho. E confirma que há um crescimento da participação feminina no alto escalão.

— Já avançamos. Apenas duas das mulheres entrevistadas são filhas de mães que tinham trabalho remunerado. Há uma mudança geracional de comportamento — avalia a professora. — Outra coisa que mudou é a estratégia de ascensão. As pioneiras eram mais inclinadas a reproduzir comportamentos masculino. Hoje é comum que acionem atributos associados ao feminino. A percepção, em geral, é de que se atua melhor no mercado trazendo sensibilidade, sem deixar de lado objetividade e assertividade.

‘Prosperamos em tempos difíceis’

Britânica, Amanda Hyndman, gerente-geral da rede de hotéis de luxo Mandarin Oriental em Bangcoc, na Tailândia, também vê vantagens em características femininas.

— Na gestão de um negócio, o correto é escolher a melhor pessoa para o trabalho, naturalmente. Mas acho que as mulheres são negociadoras competentes e são mais do que capazes de fazer negócios difíceis. São tenazes e colaborativas. Nós realmente prosperamos em tempos difíceis — opina. — Quando me tornei uma gerente-geral, lembro-me de meus pares estarem preocupados que eu não fosse capaz de jogar cartas após os jantares empresariais. Que ridículo! Brincadeiras à parte, eu não acredito que tenha enfrentado obstáculos. E, se fez alguma diferença, eu me beneficiei do fato de ser mulher. Sempre acreditei em “trabalhar duro e jogar duro”, e sempre valeu muito a pena.

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