Governo estuda adotar bônus apenas para mulheres com filhos.
(HuffPost Brasil, 03/02/2019 – acesse no site de origem)
Ideia em análise pelo governo de Jair Bolsonaro, a adoção de um bônus para mães se aposentarem só irá ajudar a reduzir as diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho se vier junto com outras medidas. A avaliação é de especialistas, que apontam, entre as ações necessárias, a ampliação da licença paternidade e da rede de creches.
A equipe de Paulo Guedes estuda incluir uma espécie de desconto progressivo na reforma da Previdência. Mulheres com dois filhos, por exemplo, poderiam se aposentar dois anos antes que o tempo mínimo exigido.
A ideia está no modelo proposto entregue à equipe econômica da nova gestão pelos economistas Armínio Fraga e Paulo Tafner após as eleições. De acordo com o texto, não há um tempo mínimo de contribuição, e a mulher poderia somar um ano de contribuição a cada filho, até o limite de três. Nessa proposta, não há diferenciação de idade mínima para homens e mulheres.
O presidente, por sua vez, já defendeu a adoção de um limite inicial de 62 anos para eles se aposentarem e de 57 para elas, com alterações progressivas até que as idades se igualem.
A justificativa para adotar um critério mais favorável apenas a mães e não para todas as mulheres seria a diferença de rendimentos mais expressiva entre as que não têm e aquelas que têm filhos.
Mães ganham menos do que as outras mulheres
De acordo com a pesquisa “Crianças e desigualdade de gênero: Evidências da Dinamarca”, da organização americana National Bureau of Economic Research, há uma queda brusca na renda de mulheres depois do nascimento do primeiro filho, o que não ocorre com homens na mesma situação. A diferença resulta em salários 20% menores para elas ao longo da carreira, sendo que, na Dinamarca, os novos pais têm direito a um ano de bolsa para ajudar na criação.
O estudo é um dos apresentados no episódio “Por que as mulheres ganham menos”, na série Explicando, produzida pela Netflix. Outra pesquisa com resultados semelhantes citada foi feita na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.
No Brasil, mulheres com filhos recebem até 40% menos do que as que não têm, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, referentes ao segundo trimestre de 2018, compilados pela consultoria IDados.
De acordo com a análise, o salário médio da brasileira sem filhos é de R$ 2.115,39. Com filhos, passa a R$ 1.560,51, sendo que a queda é proporcional ao número de crianças. A média salarial de mães de três filhos, por exemplo, é de R$ 1.271,30.
Por outro lado, homens com filhos têm perdas salariais menores. Homens sem filhos ganham, em média, R$ 2.228,77, enquanto o rendimento médio dos pais é de R$ 2.003,28.
Mães têm aposentadoria menor
O mesmo acontece com o valor das aposentadorias. “A previdência reproduz o que você ganha no mercado de trabalho”, afirmou, ao HuffPost Brasil, Ana Amélia Camarano, coordenadora de Estudos e Pesquisas de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações do Ipea.
A pesquisadora é autora do artigo “Diferenças na legislação à aposentadoria entre homens e mulheres: breve histórico”. De acordo com o estudo, o valor médio de aposentadoria para brasileiras sem filhos em 2015 era de R$ 1.602,20. O número caía para R$ 1.229,79 entre as mães.
O estudo também revelou como o benefício a que elas têm acesso é pior. Hoje, as mulheres são maioria entre os que se aposentam por idade. Elas representam 64%, com benefícios em torno de um salário mínimo. Na modalidade tempo por contribuição, por sua vez, onde os rendimentos são maiores, a presença feminina cai para 30%.
Esse cenário é resultado de fatores como salários mais baixos e menor capacidade de contribuição. A taxa de desemprego entre as mulheres foi de 15% no primeiro trimestre de 2018, segundo dados do Ipea a partir da Pnad. O percentual para homens ficou em 11,6%.
Na avaliação de Camarano, para mudar esse cenário é necessário combater a discriminação de salário e ampliar a rede de creches e de educação integral. “Não adianta aumentar só a licença maternidade. A mulher que sai do mercado de trabalho por mais tempo volta desatualizada”, afirma.
A pesquisadora defende a compensação apenas para mães, por entender que é o grupo mais prejudicado atualmente. “Essa diferença [de idade mínima para homens e mulheres] existe para compensar os custos de oportunidade da maternidade, mas cresce o número das mulheres que não têm filhos, então você está beneficiando mulheres que não têm esse custo de oportunidade”, afirmou.
Aposentadoria para mães em outros países
Na América Latina, pelo menos dois países adotam um sistema diferenciado para quem tem filhos. No Chile, pais e mães têm direito a licenças remuneradas por até 24 semanas, sendo que até a 18ª semana o benefício é exclusivo para elas.
A mãe também tem direito a uma licença quando a criança tem menos de um ano de idade e é diagnosticada com uma doença grave. E a cada criança nascida, ela recebe um voucher de pensão ao qual tem acesso aos 65 anos. O benefício considera os rendimentos pagos nos 18 meses seguintes ao nascimento e a taxa de retorno do plano de pensão.
No Uruguai, as mulheres ganham um ano de benefício a cada filho nascido ou adotado, sendo no máximo 5 descendentes.
Benefício só para mães resolve desigualdade?
Para Lucilene Morandi, coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense), limitar a diferenciação na reforma da previdência apenas para mães pode passar a mensagem de desincentivar a participação masculina na criação dos filhos e ignora outros fatores de desigualdade. ”É como se a gente reduzisse toda diferença de gênero no mercado de trabalho à questão do filho”, afirmou à reportagem.
A pesquisadora cita como exemplo as perdas salariais só pelo fato de ser mulher. “Tem vários fatores, mas uma evidência é que as mulheres recebem, em uma média mundial, um salário em torno de 30% menor do que homens, mesmo em cargos iguais, com formação educacional e profissional semelhante”, ressaltou.
No entendimento de Morandi, a Previdência deve compensar as mulheres pelo trabalho não remunerado, que sobrecarrega as rotinas e inclui não só o cuidado com filhos, mas com a casa e com idosos.
Pesquisa do Ipea mostra que, em 2015, a proporção de mulheres que realizam afazeres domésticos ficou acima de 91%. Já entre os homens, era de 55%.
Já um estudo coordenado pelo Núcleo de Estudos sobre Desigualdades e Relações de Gênero (Nuderg) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) revelou que homens solteiros dedicam quase 13 horas semanais aos cuidados domésticos e passam a dedicar 12 horas quando casam. Para elas, o número sobe de 19 horas para 29 horas após o casamento.
A especialista defende políticas para redistribuir esse trabalho para que a mulher possa participar do mercado de trabalho em melhores condições. Ela cita como exemplo uma rede de creches e de escola em tempo integral, além de assistência do Estado para cuidar de idosos. “O mais importante é a sociedade, como um todo, entender que o custo de ter filho não pode ser da mulher, mas tem de ser um custo social. Tem de ser da sociedade como um todo”, afirmou.
No Brasil, as creches, tanto da rede pública quanto privadas, atendiam a 24,6% das crianças de 0 a 3 anos em 2014. A escola integral, por sua vez, atende apenas a 9% dos estudantes.
Outro exemplo citado por Morandi é a divisão da licença paternidade entre mães e pais, conforme decisão dos dois. Esse modelo é adotado na Alemanha, por exemplo.
Estudo do Banco Mundial publicado em 2018 analisou a legislação de 189 países em 7 diferentes temas relacionados à desigualdade de gênero. Na escala de zero a 100 pontos, o Brasil recebeu nota 64 no eixo “acesso ao emprego”, por fatores como não existir uma licença parental, que permite repartir a licença entre pai e mãe.
O desempenho foi abaixo da média de países latinoamericanos e caribenhos (68 pontos) e de integrantes da OCDE (90 pontos), grupo que reúne os países mais desenvolvidos do mundo.
Para Morandi, o cenário atual mostra como o caminho para alcançar a igualdade entre homens e mulheres, tanto no mercado de trabalho quanto na previdência, depende de mudanças de diversas políticas públicas. ”Os países da OCDE e o Uruguai são nações em que a política de Estado é uma política de defesa pela igualdade de gênero”, afirmou.
“Aqui no Brasil, o novo governo olha essa questão como o que chamam de ideologia de gênero. Não é uma questão de ideologia. É uma questão estatística, um fato real, uma evidência.”
Marcella Fernandes