(Géssica Brandino/ Agência Patrícia Galvão, 23/09/2014) Conseguir uma vaga em creche, um direito constitucional, é uma das principais demandas das mulheres ao poder público. Apesar disso, raramente aparecem no debate eleitoral propostas sobre como ampliar o número de equipamentos para reduzir a sobrecarga imposta socialmente às mulheres trabalhadoras e melhorar os já existentes. Ainda que a creche e a pré-escola sejam de competência dos municípios, os governos federal e estaduais têm legalmente a responsabilidade administrativa por contribuir para solucionar este problema que afeta a maioria da população.
Leia também:
Demandas das mulheres estão ausentes dos debates políticos
Mulheres e negros ainda não se veem no debate eleitoral
De acordo com a pesquisa “Creche como demanda das mulheres”, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão/Data Popular/SOS Corpo com 800 mulheres que trabalham de nove regiões metropolitanas e Distrito Federal, encontrar uma vaga para os filhos é apontada como principal dificuldade para cerca de 30% das entrevistadas (em todas as classes sociais). Quase metade delas (45%) não tem apoio para cuidar dos filhos.
[easyrotator]erc_96_1411495781[/easyrotator]
Saiba mais: 88% das mulheres veem creche como uma das principais demandas
Nas camadas mais pobres da população o problema ganha dimensão ainda maior. Segundo outra pesquisa da qual o Instituto Patrícia Galvão participou em 2013, que levantou o perfil dos moradores de favelas em 63 municípios brasileiros, 32% das pessoas reclamam da falta de creches públicas nas comunidades, sendo que um quarto das mulheres com filhos nas favelas são mães solteiras.
Saiba mais: Mulheres moradoras de favelas movimentam R$ 24 bi e demandam cidadania
A pesquisadora do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia Verônica Ferreira destaca os múltiplos impactos do problema. “A ausência [de creches] afeta de diferentes maneiras a trajetória das mulheres, tanto do ponto de vista das possibilidades de se integrarem ao mercado, como da própria permanência, pois há muitas mulheres que, pela falta de apoio ou de algum beneficio público, podem ficar desempregadas ou, quando precisam continuar trabalhando, realizam trabalhos precários. Vivem numa situação de tensão e sobrecarga cotidiana por conta da ausência de serviços”. Segundo a Revista do Observatório de Gênero 2014, 66,8% da população feminina ocupada está concentrada na faixa salarial entre 0 a 2 salários mínimos.
Entraves
Para a pesquisadora do SOS Corpo, problemas existentes no pacto federativo impedem que avanços como a inclusão da construção de creches públicas no Programa de Aceleração do Crescimento e a criação do programa Brasil Carinhoso, tenham impacto no cotidiano das mulheres. “É no âmbito do município que todas as coisas emperram e têm muita dificuldade de se concretizarem. Por outro lado, ainda temos uma verdadeira omissão dos governos estaduais na implementação dessa política. É preciso que passem a atuar e assumir a responsabilidade nessa política que é fundamental”.
Além da ausência de equipamentos públicos, o horário de funcionamento das creches também interfere no cotidiano das famílias. Assessora técnica da ONG Cfemea, Fernanda Rosa é mãe de uma menina de três anos e vivenciou o drama de conseguir uma vaga na capital do país. Após a espera, que para algumas mulheres chega a três anos, precisa lidar com as dificuldades geradas pelo calendário de funcionamento das unidades. “Não estão realmente protegendo a mãe trabalhadora, porque a partir do momento que coloca a creche num mesmo sistema educacional com duas férias por ano e todos os feriados e pontos facultativos, a mãe vai ter que arrumar outras pessoas para cuidar dessa criança nesse período e não ser mandada embora”, ressalta.
A pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e presidente da União de Mulheres de São Paulo, Arlene Ricoldi, também problematiza a questão. “Todas as discussões sobre aumento de jornada escolar nunca levam em consideração a jornada de trabalho dos pais”, aponta. Arlene chama atenção para a substituição do período integral pelo parcial que tem sido feita por diversas prefeituras do estado de São Paulo para atender a universalização do ensino infantil. “Quando você começa a avançar, com a lei dizendo que a partir dos quatro anos a escolaridade é obrigatória, na prática ocorre um recuo perverso porque as prefeituras, no afã de atender essa universalização, reduzem cada vez mais o atendimento para crianças de zero a três anos, que sempre foi menor, e concentram o atendimento a partir dos quatro anos em período parcial”.
Propostas
O advogado e integrante da ONG Ação Educativa e do movimento Creche para Todos, Salomão Ximenes, ressalta que é preciso que o governo articule formas de garantir o serviço para quem precisa. “O modelo integral deve ser ofertado pelo maior tempo possível, mas a organização do sistema também precisa de um período de recesso e aí entraria a complementaridade com as políticas de assistência social”.
Além de aumentar os recursos para a construção de creches, o advogado Salomão elenca o atendimento da demanda e a reversão do processo de terceirização, que tem impacto na qualidade, como desafios para os candidatos. “A questão que se coloca hoje não é tão somente reconhecer como um direito ou cobrar do Judiciário, uma vez que isso já está consolidado, mas cobrar que sejam estabelecidos planos de expansão e de qualificação da rede de educação infantil, que apontem o atendimento de toda a demanda manifesta por creche e pré-escola no país num prazo razoável. É necessário verificar como os candidatos vão enfrentar a questão da terceirização e qual compromisso em relação ao financiamento da educação eles assumem”.
Para que a proposta saia do papel Salomão defende que os governos federal e estaduais reforcem o orçamento para a creche. “Para atender toda a demanda, em instituições de qualidade, que respeitem as crianças e os professores, é preciso mudar substancialmente o patamar de auxílio financeiro que o Estado e o governo federal dão aos municípios, tanto para investimento e em termos de construção de novas unidade, como para a manutenção”.
Na visão de Arlene Ricoldi também cabe ao governo federal articular o debate sobre o tema. “O que falta nessa discussão é a ideia de que é preciso pensar numa política nacional do cuidado ou uma política nacional de articulação da família com o trabalho. Se de fato não começa a se pensar nisso, você prejudica principalmente as mães pobres, que se retiram do mercado de trabalho. Não seria criar serviços novos, mas pensar nos que são oferecidos com base nessa perspectiva de como se faz para cuidar das crianças em um tempo maior, ou dos idosos”.
Na opinião de Arlene, um passo importante nesse sentido seria ratificar a Convenção 156 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), sobre a igualdade de oportunidades para trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares. Em vigor desde 1983, o acordo indica como os governos devem agir para atender essas necessidades e chegar à efetivação do direito à creche pública para todas as mulheres e crianças, como defende Verônica Ferreira. “Há a necessidade de avançar numa concepção mais ampliada da creche como também uma política pública que está voltada para garantir a autonomia das mulheres e melhores condições de tempo, tanto para o mercado de trabalho como para viverem suas vidas”, afirma.