Eleonora Menicucci: “A violência contra a mulher não tem classe social”

13 de março, 2014

(Época) A ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Política para as Mulheres, comanda há dois anos uma das pastas de menor orçamento da Esplanada. Para este ano, Eleonora conta com R$ 82,7 milhões para, entre outras atribuições, interromper a alta nos índices de violência contra as mulheres – e, fosse isso pouco, assegurar tratamento digno para as vítimas. Eleonora, ex-companheira de cela da presidente Dilma Rousseff nos calabouços da ditadura militar, afirma que o governo da primeira mulher eleita presidente da República contribui para extinguir o machismo que ainda predomina no Brasil. Em entrevista, Eleonora diz que sua Pasta tem mais resultados a mostrar do que seu pequeno orçamento pode sugerir.

ÉPOCA – Qual o impacto real de termos uma mulher na Presidência?

Eleonora Menicucci – Um impacto muito grande, a ponto de as meninas não quererem mais brincar de Barbie, e sim de presidenta. As garotas pedem fantasia de presidenta no aniversário. Conheço duas meninas de uma família que pediram isso. Politicamente, fez diferença também. Conseguimos, na eleição de 2012, superar a cota de mulheres candidatas (pela lei, cada partido precisa destinar, nas eleições, pelo menos 30% das vagas a mulheres). Mas o número de eleitas ainda é muito baixo. É preciso que os partidos mudem sua cultura e enfrentem essa questão. Como ministra de Estado da primeira presidente mulher do Brasil, estou conseguindo transformar meus sonhos de ampliar e consolidar os direitos humanos das mulheres em realidade, em política pública.

ÉPOCA – A presidente Dilma Rousseff já se declarou, certa vez, a favor da descriminalização do aborto. Mas o governo dela parece não querer discutir abertamente a questão. Por quê?

Eleonora – O papel do Executivo é impedir a morte materna, seja ela de que causa for. Trata-se de acolher as mulheres. O fato de termos uma mulher na Presidência muda o cenário em todos os sentidos. Mas ela é presidente de todos os brasileiros e de todas as brasileiras. Como sou ministra da Mulher de todas as brasileiras. Nossas convicções são nossas. Enquanto Executivo, seguimos as diretrizes do governo federal (o governo deve limitar-se a tratar da saúde das mulheres que fazem os abortos previstos na lei). Conseguimos desenvolver políticas que enfrentem a situação da saúde da mulher.

ÉPOCA – Por que o Brasil não avança na discussão sobre o aborto?

Eleonora – É uma pergunta complexa, porque o Brasil não é o Executivo. Isso diz respeito ao Parlamento. Tudo o que diz respeito a ele precisa de movimento, atuações, pressões. O Brasil é muito grande, e temos a determinação de que o Estado brasileiro é e será laico. Portanto, respeitaremos todas as crenças, fés, orientações sexuais. A questão é ampla. Não posso responder pela sociedade. No que cabe ao Executivo, com relação às políticas de saúde, avançamos muito. Com nossas ações da Rede Cegonha (programa de atendimento pré-natal e planejamento familiar do Ministério da Saúde), diminuímos a morte materna em 50% nos últimos nove anos. A morte materna decorrente de abortos malfeitos caiu da terceira para a quinta causa em cinco anos.

ÉPOCA – A que a senhora atribui isso?

Eleonora – À queda da natalidade. As mulheres estão mais cuidadosas. E os serviços estão mais eficazes.

ÉPOCA – Melhorou o atendimento depois da bronca que a senhora deu, em 2012, nos médicos da rede pública que não queriam fazer aborto nos casos permitidos na lei?

Eleonora – Não quero falar nisso. Os serviços ficaram mais eficientes, com a aprovação da lei que regulamenta a contracepção de emergência – medida que impede a gravidez decorrente de estupro.

ÉPOCA – O Ministério do Trabalho reconhece a prostituição como profissão. Apesar disso, ainda falta uma lei para regulamentá-la. O governo já tentou trabalhar numa lei?

Eleonora – O governo não tem posição sobre isso, não fizemos essa discussão. Neste momento, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) fez um projeto na Câmara, e a discussão se abrirá. É fundamental que ela se abra na sociedade e no Congresso. O governo não se omitirá. Mas ainda não fizemos essa discussão. Somos radicalmente contra a prostituição com fins de rufianismo (crime de tirar proveito da prostituição alheia). Ainda formaremos uma posição.

ÉPOCA – A violência contra as mulheres é a principal preocupação da Pasta da senhora. Está presente em todos os discursos. O que o governo tem feito, de concreto, para diminuir esse tipo de violência?

Eleonora – No dia 13 de março, faz um ano que a presidente Dilma lançou o programa Mulher, Viver sem Violência, que põe em prática o que a Lei Maria da Penha determina (coibição e punição mais severa e ágil da violência contra a mulher). Teremos investido, até o fim do ano, R$ 305 milhões nas seis ações do programa. Como são recursos do PAC, não correm risco de ser contingenciados. Gastaremos R$ 116 milhões na construção das Casas da Mulher Brasileira, que oferecem todos os serviços previstos na Lei Maria da Penha num mesmo espaço: delegacia da mulher, juizado especializado em violência contra a mulher, promotoria, atendimento psicossocial, capacitação profissional, alojamento para mulheres que não tenham para onde ir, brinquedoteca e transporte para trazer as mulheres a essa central. Teremos 26 casas pelo Brasil. Só Pernambuco não aderiu.

ÉPOCA – Por quê?

Eleonora – Nas palavras da Cristina Buarque, secretária da Mulher do Estado, a quem respeito muito, eles já têm um programa consistente. Não gostei da recusa, porque é um Estado onde já morei e pelo qual tenho uma afeição muito grande. Fomos nós que descentralizamos recursos para que ela desenvolvesse o programa que tem lá. Isso foi antes de o governador Eduardo Campos sair do governo Dilma. A casa poderia ser no Recife ou no interior, sugeri. Não houve acordo.

ÉPOCA – As políticas da Pasta da senhora parecem concentradas no atendimento às mulheres que já sofreram algum ataque. O que é feito para prevenir essa violência?

Eleonora – Uma das ações da Secretaria é veicular campanhas publicitárias na TV em horário nobre, nas quais investimos R$ 100 milhões. Há cinco anos, temos uma parceria com a Petrobras e a Polícia Rodoviária Federal, que treina caminhoneiros e caminhoneiras para levar, a mulheres de lugares mais remotos, folhetos e explicações sobre a Lei Maria da Penha. Muitas das mulheres que denunciam no Ligue 180 ficam sabendo do serviço por causa desses caminhoneiros.

ÉPOCA – Esse tipo de campanha tem sido suficiente para mudar a mentalidade do brasileiro?

Eleonora – Acho que sim. Desde 2012, tivemos várias condenações exemplares, como a do goleiro Bruno (ex-go­leiro do Flamengo condenado a 22 anos de prisão pela morte de sua ex-amante Eliza Samudio), do Mizael Bispo (policial reformado condenado a 20 anos de prisão pelo assassinato da ex-namorada Mércia Nakashima) e do Lindemberg Alves (condenado a 98 anos de prisão pelo sequestro e homicídio da ex-namorada Eloá Pimentel). Tive receio de o presidente do Flamengo não querer entrar com a faixa de nossa campanha no ano passado, por causa do goleiro Bruno. Mas eles entraram.

ÉPOCA – O que há de comum entre as narrativas das mulheres que fazem denúncias de agressão?

Eleonora – A reincidência. Esse é o ponto principal. Não há corte de classe social. A violência é democrática, infelizmente. Mas as mulheres pobres recorrem mais aos serviços públicos. Outro ponto em comum é que os agressores são sempre companheiros e ex-maridos. Nos casos de violência doméstica, as vítimas são mulheres de até 50 anos. Nos casos de estupro, não há limites de idade. Ela vai de bebês a senhoras de 70 anos. E todas elas necessitam muito de atendimento imediato. Por isso, as medidas de proteção (como afastar o agressor do convívio da vítima e proibir que ele a procure ou a sua família) têm de ser mais céleres. Os juízes têm de soltar essas medidas mais rapidamente.

ÉPOCA – Faltam leis para proteger a mulher que já denunciou o companheiro violento, mas não consegue afastá-lo definitivamente?

Eleonora – Não, a Lei Maria da Penha garante isso. Falta é vontade política. Essas histórias que a gente ouve, de uma mulher que já fora quatro vezes à delegacia e é assassinada, são justamente os casos que a Casa da Mulher evitará. A vítima fará o boletim de ocorrência, e a delegada pedirá imediatamente uma medida ao juiz. Não há motivo para demora.

Flávia Tavares

Acesse o PDF: Eleonora Menicucci: “A violência contra a mulher não tem classe social” (Revista Época, 13/03/2014)

Acesse no site de origem

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas