No mês de novembro de 2023, ganhou grande repercussão midiática um caso ocorrido na manhã no dia 23 de outubro na capital de São Paulo. Por volta das 06h30 da manhã, na rua Dom Vilares, na Vila das Mercês, uma mulher foi abordada por um homem enquanto caminhava pela calçada em direção ao trabalho. As imagens captadas por câmeras de segurança da rua são profundamente perturbadoras.
O caso da mulher abordada pelo homem nas ruas da Zona Sul de São Paulo seria apenas mais um número de violência sexual não fosse por uma exceção que evitou o desfecho estatístico: a intervenção de um motorista de ônibus juntamente com alguns passageiros que estranharam a linguagem corporal da mulher e do homem que a acompanhava.
Essas pessoas se restringiram apenas no estranhamento à cena. O motorista parou o veículo e uma das passageiras desceu para falar com a mulher. Na sequência, o motorista e outros passageiros também se aproximaram. A movimentação de pessoas conseguiu afastar a moça do agressor, fazendo com que ele deixasse o local. O que aconteceu na manhã paulistana possibilita uma série de reflexões importantes e dialoga com um tema relevante nos estudos sobre criminologia: o “efeito do espectador” (bystander effect).
Observado e descrito pelos psicólogos sociais estadunidenses John Darley e Bibb Latané, em 1968, o termo “efeito do espectador” se refere ao fato de que, diante de emergências, a presença de outras pessoas diminui as chances de uma intervenção. Em outras palavras, quando diante de situações atípicas, como uma violência por exemplo, pessoas em grupo têm uma menor (isso mesmo, menor) probabilidade de intervir. Ao invés disso, acabam se comportando como espectadores/as que não se responsabilizam pelo que estão vendo.
Por isso, o “efeito do espectador” acaba sendo um grande inimigo do enfrentamento às violências contra mulheres, pois significa que, mesmo em face de situações que consideramos inaceitáveis, humilhantes e que causam desonra, muitos de nós ainda não transformam essa condenação pública, indignação e discordância em ações reais e cotidianas que possam impedir situações de violação e ajudar as vítimas.
O papel do “efeito do espectador” é notável em casos de vazamentos e outras violações à intimidade de mulheres e meninas na internet. Para que um material digital ganhe volume e viralize, é preciso que muitas pessoas compartilhem e distribuam esses vídeos e imagens, muitas vezes se sentindo desconectadas dos impactos que estes causam nas vítimas. No caso dos crimes contra meninas e mulheres na internet, os espectadores podem se tornar cúmplices, nos levando a pergunta: “e se alguém tivesse parado de compartilhar? E se alguém tivesse dito não?”.
O motorista e os passageiros do ônibus em questão agiram na direção contrária do “efeito do espectador”, estando atentos à situação atípica e dispostos a intervir para apoiar e acolher uma concidadã. A ação impediu um provável ato de violência sexual, e quem sabe até outros tipos de violência, e deve servir de exemplo e inspiração para uma sociedade que, cada vez mais, tem se posicionado em relação às violências sofridas desproporcionalmente pelas mulheres, como o assédio e o estupro.
São em situações como esta, que percebemos na prática o efeito benéfico de nos posicionarmos e usarmos nossas vozes e atitudes em prol de uma sociedade mais segura e justa para nossas meninas e mulheres. Devemos agir, não apenas quando diante de uma situação de violência que pode ser impedida, mas também na direção do acolhimento às vítimas, sendo redes de apoio, ajuda e compreensão.
Beatriz Accioly Lins, Antropóloga e Coordenadora de parcerias, políticas públicas e estratégia do Instituto Avon.