(UFRJ, 10/03/2016) Em tempos de empoderamento feminino, a Pró-Reitoria de Pessoal (PR-4) promoveu no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o debate Violência contra a Mulher no Ambiente Universitário. O evento aconteceu no Auditório Archimedes Memória, no prédio da Reitoria, e a mesa foi composta pela psicóloga Mafoane Odara, pesquisadora do Instituto Avon, e Luciene Lacerda, psicóloga e pesquisadora do Departamento de Bioética do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (Iesc/UFRJ), com mediação da estudante de Pedagogia Josi Oliveira, integrante da Diretoria de Mulheres do DCE (Diretório Central de Estudantes) Mário Prata da UFRJ e do Coletivo de Mulheres da UFRJ.
O início do debate abordou os resultados da pesquisa realizada pelo Instituto Avon/Data Popular, que entrevistou 1.823 universitários de todo o país, de instituições públicas e privadas, sendo 60% mulheres e 40% homens. O resultado mostrou as diversas faces da violência contra a mulher dentro das universidades e a forma como é tratada. “É muito importante a gente tomar cuidado sobre como é o espaço construído dentro da universidade para acolher essas discussões de violência”, disse Odara.
Legitimação da violência
Durante a pesquisa o instituto nomeou os diversos tipos de violência contra a mulher − assédio sexual, coerção, violência sexual, violência física, desqualificação intelectual e agressão moral/psicológica −, o que resultou em aumento do número de relatos. Ao serem perguntadas a respeito de terem sofrido alguma violência dentro da universidade, 10% das mulheres responderam “sim” de forma espontânea, enquanto 2% dos homens admitiram já ter cometido atos violentos contra as mulheres. Em perguntas estimuladas, os números mudaram para 67% e 38%, respectivamente, mostrando que muitos tipos de violência não são considerados como tais pelos agressores. Os dados apresentam, por exemplo, que 27% dos homens não consideram violência o ato de abusar de uma mulher alcoolizada, enquanto 31% acham que repassar fotos ou vídeos sem autorização da mulher não caracteriza um ato violento.
Ao falar sobre o número de mulheres que denunciam os casos de violência, Odara comentou: “Por que só 22% das mulheres fizeram a denúncia? Porque esses 22% sofreram represálias”. De todas as mulheres que sofreram algum tipo de violência, apenas 78% relataram o fato para alguém, e desse número apenas 22% realizaram denúncias formais. Muitas não denunciam por medo. “Quando uma mulher decide quebrar um ciclo de violência, ela deve estar preparada para viver outras violências. Quando ela chegar à delegacia, não vai ser tratada como deveria”, completou Odara. Luciene Lacerda, pesquisadora do Iesc, comentou as falas de Mafoana Odara: “Como não tem espaço de acolhimento, isso faz com que a mulher deixe de denunciar. Ela precisa que a instituição diga o tempo todo: ‘Não toleramos a violência’. Isso é absolutamente necessário”.
O debate gerou surpresa pelo fato de a iniciativa ter partido de homens, mas Mafoane Odara considera essencial o engajamento deles: “Os protagonistas da violência nas universidades não são as mulheres. Por isso, os protagonistas da soluções também têm que ser os homens”. Perguntada a respeito da diferença dos resultados entre as universidades públicas e particulares, Odara disse: “Sim, há muita diferença. Na universidade pública acontecem mais violências”.
Trabalho doméstico e esterilização
Luciene Lacerda falou da forma como a mulher é tratada na sociedade moderna. Sobre trabalho doméstico, criticou a maneira como é visto pela sociedade. Esse tipo de trabalho, segundo ela, é considerado degradante na sociedade patriarcal e em praticamente todas as casas é realizado pela figura feminina. Nas casas em que as mulheres trabalham fora, o trabalho doméstico é repassado a outra mulher.
Em relação aos cursos universitários ditos femininos, como enfermagem, pedagogia, entre outros, a pesquisadora enfatizou a razão pela qual isso acontece. Para Luciene Lacerda, esses cursos são sempre relacionados ao cuidado e à educação, porque há uma lógica patriarcal de que a mulher deve cuidar da educação dos filhos e da família.
Outro tema comentado pela pesquisadora do Iesc foi a relação entre aumento populacional e a violência, que, para ela, afeta as mulheres: “É do útero delas que vem o aumento populacional, e dali nascem os ditos violentos”. Comentou também a esterilização de mulheres negras e indígenas que acontecia nos anos 80, e citou um projeto de lei − que não foi aprovado − da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, que facilitava o processo de esterilização de mulheres e era defendido como solução para a pobreza.
Luciene falou ainda sobre suas visitas a universidades do Canadá e a forma como elas tratam a violência contra a mulher. Alertou para a importância de tratar o tema nas universidades do Brasil. “É necessário o espaço de acolhimento, é preciso que as pessoas se sintam seguras e que haja a prevenção.”
Para Luciene, a ideia de que a universidade não tolera esse tipo de atitude deve ser explicitada em todos os ambientes para que as pessoas que cometem a violência contra a mulher não a considerem mais como algo comum e natural.
Veja na íntegra a pesquisa do Instituto Avon.
Acesse no site de origem: A violência contra as mulheres nas universidades, por Thaynara Lima (UFRJ, 10/03/2016)