(Agência Brasil, 13/07/2014) A organização não governamental (ONG) Anistia Internacional lançou na segunda-feira (7) campanha para denunciar estupro e extorsão de profissionais do sexo em Niterói, no Rio de Janeiro. As violações foram cometidas durante despejo, considerado ilegal pela organização, executado pela Polícia Civil, no Edifício Nossa Senhora da Conceição.
No dia 23 de maio, cerca de 300 mulheres foram obrigadas a deixar o prédio, em meio a uma operação de combate à exploração sexual, quando foram cumpridos 176 mandados de busca e apreensão. Um mês depois, por denunciar publicamente agressões sofridas no dia do despejo, uma das prostitutas foi sequestrada, ferida e ameaçada, segundo a Anistia Internacional. Ela vive escondida.
Ao lançar a campanha, a organização cobra uma investigação independente sobre as denúncias de violência policial, extorsão, detenção arbitrária e despejo ilegal contra as profissionais que moravam e recebiam os clientes no edifício. Segundo relato das vítimas, a Polícia Civil também plantou provas para incriminar e deter as profissionais sem mandados, conforme a anistia.
A ONG cobra proteção urgente a Isabel*, a prostituta que denunciou o ocorrido. No dia 21 de junho, ela foi sequestrada, obrigada a entrar em um carro onde foi ferida nos braços com uma lâmina de barbear e ouviu ameaças contra ela e o filho pequeno. Segundo a Anistia Internacional, a ação era para que Isabel parasse de dar declarações públicas e à imprensa.
“Não dá para esperar. Já houve uma série de atos de violência no despejo: agressões sexuais, violência física, roubo de dinheiro, de móveis [da casa das prostitutas]”, exemplificou o assessor de Direitos Humanos da organização, Maurício Santoro. Ele revelou ainda que, no despejo, mulheres foram forçadas a fazer sexo oral nos policiais, prática classificada entre as novas formas de estupro e obrigadas a ficar “amontoadas” em um ônibus para serem levadas à delegacia.
“Ou seja, não é só uma ação ilegal de despejo, há uma questão de poder sobre essas mulheres”, completou. Santoro esclarece que, mesmo sem regulamentação, a prostituição não é crime no país.
As denúncias motivaram protestos das prostitutas e de organizações da sociedade civil no fim do mês de maio e início de junho. A Secretaria de Estado de Segurança e a Corregedoria de Polícia Civil informaram que não receberam nenhum registro de violações. No entanto, a Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), que acompanha o caso, informou que encaminhou ofícios pedindo abertura das investigações. O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MP-RJ), que poderia determinar investigação da conduta policial, também foi acionado pela SPM, mas não respondeu à Agência Brasil.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que acompanha as prostitutas, tenta reverter a decisão de lacrar quatro dos 11 andares do Edifício Nossa Senhora. “Se é por defeito estrutural tem que interditar os 11 andares”, disse a coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher Vítima de Violência, Clara Prazeres, em relação à justificativa da polícia de esvaziar os quatro andares onde as profissionais moravam. “E mais, quando a Defesa Civil interdita um imóvel, as pessoas não são retiradas com força policial, não é assim”, criticou. Segundo a Secretaria de Segurança, somente quem estava com a documentação do imóvel no dia pode ficar.
Para a Anistia Internacional, a situação é grave porque envolve mulheres pobres, em situação de fragilidade e estigmatização por terem perdido as economias, móveis e estarem sendo compelidas a trabalhar em locais “menos seguros”. “Elas têm muito medo”, acrescentou a defensora pública Clara Prazeres, que solicitou a inclusão de Isabel no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República não confirmou a adesão.
*Nome fictício adotado pela Anistia Internacional para proteger a vítima.
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