Levantamento exclusivo mostra ainda que 54% das vítimas são negras e, em 34% dos casos, o sexismo foi a motivação. Fundadora do Coletivo Feminista Helen Keller, Carolini Constantino diz que os instrumentos atuais de acolhimento e prevenção à violência contra a mulher não são suficientes para proteger e atender as mulheres com deficiência
(Gênero e Número | 04/11/2021 / Por Agnes Sofia Guimarães e Vitória Régia da Silva)
Priscila Siqueira sentiu que perdeu o direito ao controle do seu corpo em duas ocasiões – e, em muitas outras, foi encorajada a acreditar que deveria naturalizar esses momentos. Na primeira vez, Pri (como é chamada pelos amigos) tinha entre 7 e 8 anos e foi trancada por um primo mais velho no seu quarto enquanto estavam sozinhos em casa.
“Ele ameaçou me bater com um ferro de passar roupa. Eu me lembro de beijos, dele me tocando, mas não me lembro de muito mais do que isso, pois minha cabeça apagou, em algo típico da memória diante de situações traumáticas”, relata.
Anos depois, já adulta, ela enfrentou outra situação de violência durante encontro com um rapaz que conheceu em um aplicativo de relacionamentos. No bar, tudo transcorria bem até que os toques dele passaram a incomodá-la. Na tentativa de convencê-lo a não ultrapassar limites, Pri o convidou para uma balada. Mas isso não lhe garantiu segurança.
“Chegando lá, tinha uma pista fechada e, quando o levei para conhecer aquele espaço que eu já frequentava antes, ele me levou para esse canto escuro, me colocou no colo dele, abriu a calça e eu não tive força para dizer que não, estava totalmente paralisada. Quando acabou, ele me deixou lá sozinha e nunca mais a gente se falou”, relembra.
Priscila tem 27 anos, é psicóloga, bissexual e uma mulher com deficiência física (nanismo). As mulheres são as principais vítimas de violência sexual entre as pessoas com deficiência. Em 2020, elas foram 86% das vítimas, ano em que sete mulheres com deficiência sofreram violência sexual por dia, em média, segundo levantamento exclusivo da Gênero e Número a partir de dados obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). O sexismo foi apresentado como motivação da maior parte dos casos (34%).
*Agnes Sofia Guimarães e Vitória Régia da Silva são repórteres da Gênero e Número