A modelo Eliza Samudio foi assassinada em 2010, aos 25 anos. Segundo a investigação, o crime teve participação direta do goleiro Bruno (então jogador de destaque do Flamengo, com quem namorou e teve um filho). Depois de ser convidada por Bruno a ir a um sítio, ela teria tomado uma coronhada, foi asfixiada e, depois, esquartejada. Para finalizar a barbárie, os assassinos contratados por Bruno teriam jogado seus ossos para cachorros.
(Universa, 07/06/2019 – acesse no site de origem)
Esse é um dos mais emblemáticos crimes contra a mulher da história do Brasil. Bruno foi condenado a 23 anos e meio por homicídio triplo qualificado e sequestro. Houve um julgamento. Não se trata de suposições.
A história arrepia qualquer pessoa mais ou menos sensível. E arrepia mais ainda ver que, em 2019, um assassino condenado e perigoso como Bruno virou piada na Internet. E muitas pessoas dizem… “sentir falta do goleiro Bruno.’
Sim, isso está acontecendo. O ex-goleiro Bruno foi resgatado nos últimos dias por conta do caso Neymar (acusado de estupro). Memes e piadas pela internet afora dizem que Neymar é Nutella, Bruno raiz. Alguns dizem que Neymar devia ter agido como o goleiro Bruno. Ou seja, estão incitando o assassinato de mulheres, assim, livremente. E tem até mulher rindo dessa piada.
Não estou aqui falando sobre o caso Neymar, que vai ser julgado dentro da lei. O que choca, muito, é ver pessoas aclamando um assassino cruel. Para
algumas pessoas do Brasil, um criminoso desse grau é um exemplo a ser seguido.
Alguns posts sobre a acusadora de Neymar, Najila Trindade, exibem fotos de cachorros violentos com mensagens do estilo: “é assim que se trata essas marias chuteiras.” Não vou reproduzir os outros aqui para não espalhar o ódio, mas basta dizer que alguns desejam o mesmo que aconteceu com Eliza para a moça que acusa Neymar. Tudo isso com muitas risadas.
Apologia ao crime
O blog enviou alguns dos posts e memes para o advogado Iberê Bandeira de Mello para entender se escrever essas coisas é crime ou não. Segundo ele, nos tuítes que pregam diretamente que a acusadora seja morta se enquadram no artigo 286 do código penal como Incitação ao Crime. “Isso configura incitar publicamente a prática de um crime”, ele explica. A pena pode ser detenção de 3 a 6 anos de detenção ou multa. Os que apoiam o goleiro Bruno podem se enquadrar no artigo 287 , que trata de “Apologia ao crime ou criminoso.” A pena é a mesma.
“Todos são crimes de código penal”, ele explica. Ou seja: na sua piada, no seu meme, você pode estar praticando, sim, um crime. “A parte atingida teria direito, sim, de denunciar e pedir indenização”, explica Iberê.
De acordo com o advogado criminalista Anderson Lopes, essas mensagens se configuram como “difamação”. Algumas delas, as que pregam a morte, “são de apologia ao crime mesmo”. Além disso, segundo ele, elas não se encaixam nas políticas das redes sociais, que tentam banir esse tipo de conteúdo criminoso. “As pessoas precisam fazer denúncias para a rede social, denúncias em massa, porque só assim esses perfis serão excluídos”, recomenda.
Além de crime, claro, essas manifestações de “apoio ao criminoso” são uma falta de respeito gigantesca com a memória de Eliza e de sua família. Sim, ela tem uma mãe, que cuida do seu filho, que sobreviveu a essa tragédia terrível e vai ter que lidar com o fato do pai ter matado a mãe pelo resto da vida.
Ídolo?
Vale lembrar que quando o goleiro Bruno foi solto, por um curto período, em 2017, ele foi contratado por um time de futebol. No dia de sua estreia, foi intensamente fotografado e recebido por fãs. Alguns pais levaram, inclusive, seus filhos para tirarem foto no colo de… um assassino. Sim, ele era um grande esportista. Quem entende de esporte fala que ele teria uma carreira brilhante pela frente… Mas ele é um… assassino condenado, que agiu com requintes de crueldade.
Não existe graça nem na idolatria aos fãs de Bruno (que, se gostavam do seu futebol, já deviam ter entendido que o ídolo tem não só os pés de barro, mas as mãos sujas de sangue) nem nas piadas. É imperdoável.
Respeitem a Eliza Samudio e todas as outras vítimas. São muitas. Para lembrar: entre 1980 e 2013, mais de 100 mil mulheres foram mortas por feminicídio no Brasil e os números têm subido. Parem de alimentar o ódio e, com isso, correr o risco de aumentar ainda mais as estatísticas!
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.