Como frear um crime evitável que ainda cresce 4% ao ano no Brasil, por Giulliana Bianconi

15 de setembro, 2019

Apesar do avanço da legislação, com mudanças e ajustes na Lei Maria da Penha desde que foi implementada, e com a Lei do Feminicídio, a morte de mulheres pela condição de gênero desafia os estados

(Época, 15/09/2019 – acesse no site de origem)

O feminicídio é crime evitável. Esse é um “mantra” repetido por legisladores, pesquisadoras e profissionais que trabalham no enfrentamento à violência contra a mulher. É um consenso porque os dados e pesquisas, ao longo dos anos, mostram que quando o assassinato da mulher pela sua condição de gênero é consumado, dificilmente não foi precedido por outros tipos de violência. A escalada das agressões, que passa por violências psicológicas e físicas, é relatada por mulheres em boletins de ocorrência, nas audiências na Justiça, entre familiares.

Interromper esse ciclo é possível. A legislação, por meio da Lei Maria da Penha, prevê a prisão preventiva do agressor e medidas protetivas. Desde maio deste ano, as protetivas podem ser concedidas em situações de emergência até por um policial , determinando o afastamento do agressor da residência ou do local de convivência, o que sem dúvida é relevante para frear episódios de agressões que podem chegar ao assassinato num cenário em que 89% dos crimes de feminicídio registrados em 2018 foram cometidos pelo companheiro ou o ex-companheiro da vítima, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, lançado nesta semana.

Apesar do avanço da legislação, com mudanças e ajustes na Lei Maria da Penha desde que foi implementada, em 2006, e com a Lei do Feminicídio, que tornou o assassinato com motivação de gênero crime hediondo em 2015, esse tipo de crime ainda cresce no país, o que significa que as medidas para frear a violência contra a mulher que escala até a morte ainda são insuficientes e precisam ir além da repressão e da punição. O aumento dos números, entre 2017 e 2018, de acordo com os dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança, responsável pelo Anuário, foi de 4%. No total, os 1.206 casos de feminicídio observados pelo estudo no ano de 2018 representam até 8% das mortes intencionais registradas no Brasil.

O crescimento desses números precisa ser discutido a partir da observação da presença ou ausência de políticas públicas estado a estado, e qualquer debate que não considere os recortes de raça e classe será incompleto, uma vez que os feminicídios de mulheres negras representam 61% do total, e o de mulheres com formação que não extrapola o ensino fundamental são 71%. As ações estaduais e locais são fundamentais.

Certamente há algo sendo feito no Piauí, onde a variação na taxa de feminicídios é de 3,5%, que não vem sendo feito em Sergipe, que registra a maior variação, de 163%. Inclusive, Sergipe é um dos três estados que não têm representatividade feminina na Câmara dos Deputados, em Brasília – os outros são Amapá e Maranhão. O Amapá, coincidência ou não, tem a segunda maior variação da taxa de homicídio entre 2017 e 2018: 145%. A falta de representatividade feminina para defender direitos das mulheres é historicamente problematizada pelo movimento feminista, embora não possa ser feita uma relação direta entre a ausência de parlamentares mulheres e o aumento de taxa de feminicídio no estado, obviamente.

As discussões sobre o enfrentamento à naturalização dos crimes contra a vida das mulheres tem ocorrido, isso é fato. A nomeação do problema, em forma de lei, foi estratégia central para dar visibilidade ao crime que pode ser evitável. Mas o que mais pode ser feito? Prevenção. O Mapa da Violência de Gênero , também publicado este ano, visibiliza, na seção Leis, 531 normas legislativas sobre violência contra mulheres, violência sexual, violência doméstica e violência contra pessoas LGBT+, e observa que dessas apenas 27% tratam da prevenção como assunto de educação ou mesmo buscando a mudança no padrão de comportamento do agressor. Um dos estados que se destacam no Mapa em relação a esse assunto é o Tocantins, que entre outras ações criou a Semana Estadual Maria da penha nas Escolas. A lei é deste ano, 2019, mas mostra que o Estado vem debatendo e refletindo a violência com seriedade junto ao público estudante. No Anuário, o Tocantins lidera a redução da taxa de feminicídio entre 2017 e 2018: -81,5%.

Por Giulliana Bianconi

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