Construção da identidade. Noção de respeito. Por que livros infantis precisam ter protagonistas negros

07 de maio, 2019

Representatividade nessas publicações auxilia na educação de todos, não apenas das crianças negras

(O Globo, 07/05/2019 – acesse no site de origem)

O livro infantil é uma poderosa fonte de informação sobre o mundo para as crianças. É o primeiro contato com a leitura e com o aprendizado do hábito de ler, estimulando a imaginação e o desenvolvimento cognitivo. No entanto, ainda é tímida a inclusão de protagonistas negros nas histórias infantis. Buscando mudar essa realidade, artistas como Emicida e Lázaro Ramos lançaram livros dedicados aos pequenos.

A psicóloga Nathalia Nascimento afirma que a infância é o momento mais importante para a construção de identidade e para apresentar noções de diversidade. Assim, os livros infantis com protagonistas negros são importantes para todas as crianças.

— É importante pensarmos na construção da identidade da criança negra. Isso se dá na primeira infância, que é o período maior de aprendizado. É necessário que os adultos façam a ponte da informação até a criança, para ajudar em seu entendimento de mundo. Por meio dos livros infantis, as mensagens chegam de forma mais clara, mais ampla e frequente. Assim, a criança capta essas informações melhor e traz uma verdade para as suas relações na sociedade, o que é importante para crianças negras e brancas.

A existência de referenciais negros, da representatividade é, para a psicóloga, essencial para o desenvolvimento da autoestima da criança negra.

— Além da construção da identidade, é importante a construção da autoestima . Os super-herois, por exemplo, não são negros. Ainda que tenha havido uma evolução nos últimos tempos, isso não se dá com a mesma frequência que se dá com os brancos. Então a gente precisa de referenciais negros. Se a criança só tem referenciais brancos, ela não se vê naquilo. Não se ver é prejudicial para a autoestima, ela não consegue sonhar além — afirma Nathalia.

No entanto, a disponibilidade de livros com personagens e protagonistas negros ainda não é satisfatória como aponta a historiadora e professora da Faculdade de Educação da UFRJ, Giovana Xavier:

— Eu acho que a disponibilidade ainda é desproporcional ao quantitativo de população negra, ou seja, 54% da população brasileira. O problema todo não é sobre quantidade, que é um debate que tende a ser desvirtuado como “racismo reverso”. O verdadeiro problema que existe é tratar temas relacionados às identidades negras como sinônimo de diversidade. Existe um confinamento da “negritude” à ideia de “diverso”. Logo, a literatura infanto juvenil também naturaliza essa estrutura. Precisamos de livros que pratiquem a reeducação das relações raciais, ou seja, que tenham personagens de todos os grupos raciais, desempenhando variados papéis. Ainda que haja obras muito bonitas e lúdicas, há um confinamento de personagens negras às temáticas do cabelo, da religiosidade, da ancestralidade. Isso não é necessariamente um problema. Eu diria até que é um ganho. Mas precisa haver personagens negros em todos os contextos.

alar de racismo. O objetivo é apresentar personagens infantis que falam da vivência. Há uma preocupação de que a literatura contribua para a noção de mundo, algo que consideramos poderoso. Queremos cada vez mais personagens negros na literatura infantil que falem da vida.

A proposta da Malê é, como um todo, valorizar autores e histórias de pessoas negras.

— A literatura existente, quando tenta falar de racismo, reforça estereótipos, principalmente por ser uma literatura que fala de personagens negros mas que foi escrita por autores brancos. Por isso há a necessidade de valorizar escritores negros. — afirma Vagner.

Giovana Xavier destaca obras que considera interessantes e a expectativa de que outras identidades passem a ser incorporadas e representadas no mercado editorial:

— Antes de nos empolgarmos com a quantidade de obras, devemos sempre tentar captar quais as suas finalidades. Particularmente gosto muito de “As férias de Lili”, “Akissi: o ataque dos gatos”, “A garota que queria mudar o mundo”, “Entremeio sem babado”, “O mundo no Black Power de Tayó” e “A bailarina gorda”. E, considerando os dados alarmantes de transfobia em nosso país, o que envolve a evasão escolar de crianças e jovens não binários, espero que o mercado editorial da literatura infanto juvenil, priorize as identidades trans em suas obras.

Para as crianças brancas, o contato com livros infantis com protagonistas negros ajuda no desenvolvimento do sentimento de empatia e na noção de respeito, como afirma Vagner Amaro.

— Quando você lê, democratiza seu pensamento. Você se coloca no lugar daquele personagem no processo de leitura. Então se a criança branca ler sobre um personagem negro, ela vai ter essa experiência. Acho que fortalece o imaginário da criança não negra e estabelece uma aproximação com as crianças negras. Auxilia na empatia, na ampliação cultural, na visão de mundo e nas relações.

A escola também deve ser uma aliada, enquanto espaço educacional, para possibilitar o acesso e as discussões sobre estas obras.

— A escola também está envolvida na construção dos indivíduos, então tem que estar implicada nisso também. No caso, oferecendo esse tipo de debate, os livros. — afirma a psicóloga Nathalia Nascimento.

Isabela Aleixo, estagiária sob supervisão de Renata Izaal

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