Rosana Leite Antunes de Barros, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher de Cuiabá, alega que pediu para acompanhar depoimento de uma vítima de 18 anos que foi estuprada pelo pai em Campo Grande há 10 anos
(O Estado de S.Paulo, 19/07/2019 – acesse no site de origem)
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, enviou ofício à Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso cobrando apuração disciplinar da conduta atribuída ao juiz Jurandir Florêncio de Castilho Júnior, da 14.ª Vara Criminal de Cuiabá, que teria expulsado a defensora Rosana Leite Antunes de Barros de audiência pública na última sexta-feira, 12.
Em nota, a Corregedoria Nacional de Justiça informou que Humberto Martins tomou conhecimento do fato por meio de uma reportagem. A Corregedoria do Tribunal de Justiça de Mato Grosso terá 60 dias para apresentar suas conclusões sobre o caso.
Rosana, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem) de Cuiabá e defensora pública há 12 anos, compareceu à audiência e pediu para acompanhar o depoimento de uma vítima de violência sexual – uma jovem de 18 anos estuprada pelo pai em Campo Grande (MS) há 10 anos.
Segundo a defensora, o juiz Castilho Júnior disse que a audiência ‘tratava de um caso que tramita em segredo de justiça e que por isso ela não poderia permanecer no local’.
A defensora relatou que ouviu do magistrado: “Neste local não se fala de gênero. Aqui a senhora não vai defender mulher. Aqui não precisa da defesa da mulher. Aqui a senhora não vai ficar. Peço que a senhora se retire agora porque não há necessidade da presença da senhora.”
A Associação Mato-Grossense de Magistrados indicou em nota que o juiz Jurandir Florêncio de Castilho Júnior, da 14.ª Vara Criminal de Cuiabá, resguardou ‘o sigilo processual que é garantido às partes’ e ‘cumpriu com sua missão constitucional de analisar os incidentes processuais com isonomia e isenção’.
A entidade ressaltou que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso não considera casos de abuso sexual de crianças, adolescentes e idosos como crimes em razão de gênero.
Segundo a Associação Mato-Grossense de Magistrados, por causa dessa determinação do TJ, a Lei Maria da Penha não se aplicaria e, então, a assistência por meio de advogado deveria ser requerida através de habilitação nos autos, uma vez que a vítima é maior de idade.
O relato da defensora
O caso foi abordado pela Defensoria Pública de Mato Grosso em uma coletiva de imprensa realizada na segunda, 15, quando a atitude do magistrado foi repudiada pela Seccional de Mato Grosso da (OAB-MT) e a Procuradoria Geral do Estado.
As informações foram divulgadas no site da Defensoria.
Na ocasião, Rosana indicou que a vítima de violência sexual pediu a ela que acompanhasse o depoimento ‘para que se sentisse mais segura’. A jovem seria inicialmente ouvida por carta precatória.
No entanto, a defensora contou que assim que entrou na sala de audiência, o juiz questionou o motivo de sua presença no local.
De acordo com Rosana, o magistrado teria indicado que ela não deveria estar naquele lugar porque ‘não havia necessidade da vítima ter uma defensora’.
Ela contou que insistiu em sua permanência na audiência, citando os artigos 27 e 28 (da Lei Maria da Penha), ‘que estabelecem que toda vítima de violência doméstica tem direito de estar acompanhada por um defensor ou advogado’.
Rosana diz ainda que explicou ao juiz que atuava na defesa dos direitos da mulher em Mato Grosso, mas o magistrado teria sido ‘enfático’ ao pedir que ela se retirasse ‘porque não haveria necessidade de sua presença’. Segundo a defensora, o magistrado teria afirmado: “Neste local não se fala de gênero. Aqui a senhora não vai defender mulher. Aqui não precisa da defesa da mulher. Aqui a senhora não vai ficar.”
A defensora afirma que foi vítima de machismo: “Me senti como as mulheres que atendo, vítimas de machismo. Essa fala dele demonstra o tamanho do machismo com o qual nós, mulheres, convivemos. Me senti extremamente triste, fragilizada, em não poder acompanhar uma vítima que me procurou e que estava depositando toda a confiança no trabalho desta defensora pública. Foi muito difícil ser retirada de uma sala de audiência. Isso me doeu muito.”
Segundo a Defensoria, a jovem afirmou que prestou o depoimento mesmo sem a presença da defensora, mas ficou abalada: “Eu procurei a defensora para que ela pudesse me dar um auxílio jurídico e o amparo emocional que eu precisava naquele momento. Me senti desestabilizada assim que ela saiu da sala, eu realmente não esperava, e me vi diante de quatro homens (o promotor de justiça, o réu, seu advogado e o magistrado) ali na audiência. Então, de certa forma, me senti um pouco insegura”, contou.
Durante a coletiva desta segunda, o defensor público-geral, Clodoaldo Queiroz, afirmou que a atitude do magistrado caracteriza abuso de poder e indicou que encaminharia representação contra a atitude do magistrado à Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso.
Na ocasião, a Defensoria Pública informou que pedirá ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso a anulação da audiência.
‘Juiz cumpriu com sua missão constitucional’, diz entidade
A Associação Mato-Grossense de Magistrados divulgou uma nota sobre o caso, indicando que o juiz ‘cumpriu com sua missão constitucional de analisar os incidentes processuais com isonomia e isenção, resguardando o sigilo processual que é garantido às partes.
A entidade diz que o magistrado não atacou a Defensora e ‘muito menos a sua condição de mulher’, e ‘não ‘“expulsou” a profissional da sala de audiência ou agiu com truculência’.
O texto afirma que o juiz indeferiu a autorização para que a defensora acompanhasse o ato porque Rosana ‘não estava habilitada nos autos como assistente de acusação’, estava ‘fora de sua unidade de atuação, sem designação para atuar no processo’, não havendo ‘causa legal que autorizasse o levantamento do segredo de justiça’.
A nota diz ainda que a 14.ª Vara Criminal, lotação do juiz Jurandir Florêncio de Castilho Júnior, é designada para processos referentes a casos de abuso sexual de crianças, adolescentes e idosos.
Segundo o texto, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso decidiu que tais casos não são considerados crimes em razão de gênero e assim, a Lei Maria da Penha, utilizada como argumento pela defensora para que entrasse na audiência, não se aplicaria à situação.
De acordo com a entidade, uma vez que a vítima é maior de idade, a assistência por meio de advogado deve ser requerida através de habilitação nos autos.
COM A PALAVRA, O JUIZ JURANDIR FLORÊNCIO DE CASTILHO JÚNIOR
A reportagem entrou em contato com a Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de Mato Grosso solicitando o posicionamento do magistrado sobre o assunto. O espaço está aberto para manifestação.
Por Pepita Ortega