Este texto convida para uma reflexão em três tempos sobre a Violência Contra as Mulheres (VCM) no Brasil, tanto na esfera privada, quanto pública. Ele se desdobra em mais dois momentos: um segundo tratando da VCM no espaço doméstico e um terceiro sobre a VCM nos espaços públicos e políticos.
Há pouco mais de 30 anos, em 9 de junho de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, portanto, realizada aqui entre nós, era aprovada como um instrumento internacional e regional de defesa e promoção dos direitos humanos e especialmente dos direitos humanos das mulheres.
Foi a Convenção de Belém do Pará que definiu a violência contra as mulheres como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”
O vigor existente no conteúdo dessa Convenção se expressa por meio de quatro premissas fundamentais: 1) A VCM constitui uma violação dos direitos humanos; 2) A VCM é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens; 3) A VCM transcende todos os setores sociais, e, finalmente; 4) A eliminação da VCM é condição para o desenvolvimento igualitário.
Lei Maria da Penha
O caso Maria da Penha fez com que o Brasil fosse o primeiro Estado a ser efetivamente condenado, no âmbito do sistema interamericano por questões atinentes à violência doméstica. Foi sobretudo com base na Convenção de Belém do Pará que o consórcio de Organizações Não Governamentais (ONGs) feministas, em parceria com a antiga Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), propôs a Lei no 11.340, aprovada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (LMP).
A LMP se ancorou no conteúdo inovador da Convenção. Outros desdobramentos e o aprimoramento de elementos norteadores nestas três décadas impactaram decisivamente o enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres em nosso país. A LMP estabeleceu as bases para punir e prevenir a violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher. Em que pese a Convenção de Belém do Pará defina que as formas de VCM possam se dar tanto em “âmbito público como no privado”, o Brasil, contudo, aprovou uma lei aplicada apenas ao domínio privado.
Mas é preciso reconhecer que a LMP não reduziu ainda de modo significativo a incidência dessas violências. Contudo, foi um avanço importante, ainda que insuficiente, na legislação nacional que induziu a proposição de políticas públicas de combate à violência doméstica e intrafamiliar. Vamos conversar mais sobre essa dimensão no segundo tempo da reflexão iniciada com este texto.
Violência pública
A inclusão da violência pública, por sua vez, é um elemento fundamental para uma abordagem inclusiva e complexa das formas de violência que incidem na vida de todas as mulheres, violando seus direitos humanos. A luta pela igualdade e pelo fim dessas violências deve ocorrer em todos os espaços, não apenas no ambiente doméstico. A VCM nos espaços públicos será discutida no terceiro tempo dessa reflexão. Vamos falar da violência política contra as mulheres e das formas experimentadas no ambiente digital, âmbitos públicos onde as agressões são igualmente graves e aterradoras.
A VCM ocorre em todos os espaços e esferas da interação humana, sejam públicos ou privados. Estão incluídos os contextos da família, da comunidade, dos espaços públicos, do local de trabalho, do lazer, da política, do esporte, dos serviços de saúde e dos ambientes educacionais. Ela ocorre também, e de forma não menos importante, na redefinição do público e do privado nos ambientes digitais.