Data contrapõe o histórico apagamento sofrido por mulheres lésbicas dentro dos movimentos LGBTI+ e feminista. Mobilização no Brasil completa 40 anos
(O Globo, 29/08/2019 – acesse no site de origem)
Em contraposição ao histórico apagamento das vivências e do trabalho feito pelas mulheres lésbicas dentro do movimento LGBTI+ e do movimento feminista, em 29 de agosto é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Estabelecida por ativistas brasileiras, a data denuncia, além da invisibilização, as diversas violências psicológicas, simbólicas, físicas e econômicas sofridas por mulheres lésbicas em todos os espaços da sociedade.
A data faz referência à realização do primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (Senale) realizado no Rio de Janeiro, em 1996, para tratar de temas relacionados à violação de direitos das mulheres em razão da sua orientação sexual.
Desde então, o tema é lembrado nessa data — e a comemoração se estende ao longo de todo o mês de agosto. No dia 19 do mesmo mês também é celebrado o Dia do Orgulho Lésbico, em memória à primeira grande manifestação de mulheres lésbicas no Brasil, ocorrida em 1983, em São Paulo. Naquela noite, ativistas do Grupo Ação Lésbica Feminista (Galf) ocuparam o Ferro’s Bar para protestar contra os abusos e preconceitos que vivenciavam no local.
O bar era um ponto de encontro na noite paulistana, onde ativistas LGBTs e artistas podiam fazer suas performances e vender seu trabalho. Porém, um mês antes, os donos do estabelecimento haviam vetado a distribuição do boletim “ChanacomChana”, primeira publicação ativista lésbica do Brasil, e expulsaram as autoras do local.
Na noite da manifestação, integrantes do Galf conseguiram entrar no bar e obter a promessa dos donos de que não seriam mais impedidas de distribuir a revista ali. A data é conhecida como o “Stonewall brasileiro”, em referência à histórica manifestação de gays, lésbicas e travestis contra a repressão policial em Nova York, em 28 de junho de 1969, que posteriormente daria origem ao Dia Internacional do Orgulho LGBT.
No Brasil, a organização lésbica se iniciou há 40 anos, em 1979, quando as mulheres passaram a integrar o grupo Somos — a primeira organização LGBT do país, criada um ano antes — e, na sequência, em maio daquele ano, fundaram o Grupo Lésbico-Feminista (LF). Alguns anos depois, remanescentes deste grupo criaram o Galf, em outubro de 1981. Entre as pioneiras deste movimento estão Rosely Roth e Míriam Martinho, que estavam à frente da mobilização no Ferro’s Bar, em 1983, e da publicação “ChanacomChana”.
— Dentro no movimento LGBT, as mulheres lésbicas nunca tiveram um protagonismo de fato, apesar de estarem historicamente ativas. Temos várias mulheres lésbicas muito fodas nos últimos 30 anos no Brasil, mas os homens sempre aparecem como protagonistas, justamente porque é um espaço que estão acostumados a ocupar — afirma a advogada Ananda Puchta , que representou o Grupo Dignidade no julgamento da criminalização da LGBTIfobia no STF, em fevereiro.
Neste mês de agosto, CELINA conversou com ela e com outras mulheres lésbicas sobre o que significa essa invisibilização. O apagamento lésbico é, ao mesmo tempo, causa e resultado da lesbofobia — a discriminação sofrida por mulheres lésbicas em função do seu gênero e orientação sexual. Ela se manifesta de diversas formas, desde o não reconhecimento das relações afetivas entre mulheres, passando pela hipersexualização dos corpos lésbicos, a negligência na área de saúde, até atos mais extremos, como o estupro corretivo e o lesbocídio.
Embora o Brasil não produza dados oficiais sobre a prevalência da violência contra mulheres lésbicas, algumas análises acadêmicas apontam para isso. O Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil, primeiro relatório nacional sobre o tema, realizado por pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e lançado no ano passado, apontou que 49 mulheres foram vítimas desse tipo de violência no país. Para as pesquisadoras Milena Peres, Suane Soares e Maria Dias, a lesbofobia existe como parte integrante do patriarcado.
— Nossas relações tendem a ser vistas como incompletas. Mesmo quando se reconhece a existência de uma relação afetivo-sexual, geralmente somos colocadas como “amigas que moram juntas” — afirmam ascriadoras da revista “Brejeiras”, Camila Marins, Cristiane Furtado, Laila Maria, Luísa Tapajós e Roberta Cassiano. A publicação foi fundada em 2018 justamente com o intuito de combater esse apagamento.
— Amar mulheres é um ato político e revolucionário, porque desloca a centralidade do patriarcado na construção da sociedade — completam.
Por Leda Antunes e Clarissa Pains