Mesa reuniu a ativista e Antonio Prata para debater politicamente correto
(Folha de São Paulo, 11/09/2019 – acesse no site de origem)
Depois de 300 anos de escravidão, o ideal seria que os negros ficassem tomando piña colada no Caribe enquanto os brancos lutam contra o racismo no Brasil, na opinião da escritora Djamila Ribeiro. Justo, “já que a gente ficou esses anos todos batalhando e vivendo o racismo”, disse ela na noite desta quinta-feira (11) na Casa Folha, durante a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).
“Mas, como não vai ser possível, seria importante as pessoas começarem a não delegar”, afirmou. “As pessoas brancas precisam começar a entender a importância de elas debaterem racismo, elas lerem sobre isso, ter ações antirracistas nos seus espaços.”
Uma pequena multidão fez fila em frente ao espaço para assistir à conversa de Djamila com o também escritor Antonio Prata, ambos colunistas da Folha, mediada pela editora de Diversidade do jornal, Paula Cesarino Costa —mesmo com o espaço lotado, o público se aglomerou para ver o debate do lado de fora.
“Ser politicamente incorreto faz sentido quando a gente vive num sistema cruel, desigual, violento. Faz sentido ser incorreto aí. Ter uma contra narrativa, ir contra a norma estabelecida”, disse Djamila. “Mas houve um esvaziamento do termo politicamente correto. Se o respeito ao próximo, à humanidade do outro, é ser politicamente correto, devemos ser.”
Para Antonio Prata, o assunto não o incomoda. “A patrulha do politicamente correto é um comentário no meu Facebook. A patrulha da Rota mata”, afirmou, em consonância com o discurso de Djamila, que afirmou que “é mais efetivo discutir segurança pública, guerra às drogas.”
Para o escritor, autor dos livros “Nu, de botas” e “Trinta e poucos”, hoje se sabe que é condenável ser machista, racista e homofóbico, mas que “as pessoas estão lutando pelo direito de serem erradas”. “Sabemos que é horroroso e lutaremos pelo direito de sê-lo”.
Prata afirmou que, por um tempo, achou “nada mais saudável que haja uma coerção social” que iniba o comportamento racista, mas que o momento político atual, com ascensão de grupos conservadores no Brasil e no mundo, mostrou que “a gente tem que pensar se o discurso é eficaz, ou se é uma maquiagem que a gente coloca na frente do ódio e o ódio volta pulando o muro.”
Para Djamila, por outro lado, “isso não é novo. O Brasil é um país extremamente conservador”, afirmou. “Para grupos minoritários, esse discurso de ódio é presente na nossa vida desde sempre. Esse ódio está impregnado na construção da sociedade brasileira.”
Mestre em filosofia pela USP e escritora de “O que é lugar de fala” e “Quem tem medo do feminismo negro”, a ativista afirmou que “o debate sobre racismo é surreal. A gente é acusado de dividir, de ser sectarista e violento”, o que chamou de cansativo.
Djamila reclamou de a luta negra ser constantemente classificada como identitária por pessoas brancas que não se reconhecem também como parte de uma identidade. “Me cobram por qualquer coisa que uma mulher negra faça, ‘você viu essa negra de direita?’. Eu não vejo homem branco sendo cobrado porque Bolsonaro é presidente”, afirmou .
Consenso entre eles foi que a falta de diversidade prejudica o Brasil. “A própria elite perde com o privilégio. O mundo perde quando não tem 70% de concorrência. A literatura é pior, o cinema é pior”, afirmou Prata, que também é roteirista.
Por Thiago Amâncio