(Folha de S. Paulo, 11/10/2014) Louise Erdrich costuma explicar a sua ficção como “um entendimento emocional” das experiências da sua tribo. Descendente dos índios ojibwe, do Estado de Dakota do Norte, Erdrich considera trágica a relação entre o governo dos Estados Unidos e as reservas indígenas dentro do território americano.
Leis que preveem a soberania tribal foram incapazes de impedir abusos. “No início, os EUA fizeram acordos firmes em que os índios detiveram bastante poder. Depois, quando as guerras e doenças eclodiram, e a necessidade de apropriação de terras se fez urgente, as decisões legais mostraram-se desfavoráveis aos nativos”, diz Erdrich, 60, à Folha.
Em “A Casa Redonda” (Alfaguara), seu último romance, ela aborda um dos problemas mais graves das reservas indígenas: a violência sexual contra as mulheres. No livro, vencedor do National Book Award de melhor ficção em 2012, Joe, um ojibwe, narra em primeira pessoa sua busca infrutífera por justiça.
Em 1988, aos 13, Joe quase perdeu a mãe, Geraldine, vítima de um estupro. Traumatizada, Geraldine não revelou detalhes da agressão ocorrida perto da casa redonda, local de cerimônias sagradas.
Com o tempo, o filho percebeu que o suspeito, um branco, permaneceria impune. Antone Coutts, o juiz da tribo ojibwe e pai de Joe, não tem autoridade para iniciar o julgamento de um crime cometido por um não índio ou fora do território tribal.
TRILOGIA
Erdrich tratou o National Book Award como uma oportunidade de expor melhor “uma grande injustiça em curso”. Considerado o segundo volume de uma trilogia, “A Casa Redonda” é a continuação de “The Plague of Doves” (2008), um romance sobre o linchamento de quatro índios acusados de matar uma família branca. Admirador de Erdrich desde os anos 1980, o escritor Philip Roth definiu “The Plague of Doves”, finalista do prêmio Pulitzer, como “uma obra-prima assombrosa”.
Em setembro, Erdrich tornou-se a primeira mulher a ganhar o prêmio PEN/Saul Bellow, dado aos melhores ficcionistas vivos dos EUA. Philip Roth, Don DeLillo e Cormac McCarthy já receberam essa distinção.
De acordo com os três jurados, a história de um indivíduo na obra de Erdrich pode representar “a ferida de uma injustiça nacional” que “é passada entre gerações, expressando-se em deformações pessoais”.
‘CARÁTER ONÍVORO’
Erdrich consultou especialistas em legislação enquanto redigia “A Casa Redonda”. Antes de finalizar o livro em 2012, ela acompanhou o debate sobre novas emendas à Lei da Violência Contra as Mulheres para autorizar o julgamento de não índios autores de crimes sexuais em reservas indígenas. Uma em cada três índias é estuprada no curso de sua vida, segundo o governo americano.
“Houve muita emoção [com a aprovação das emendas em 2013], pois parte da jurisdição criminal foi devolvida aos nativos”, diz.
Erdrich afirma ter mais esperança desde a eleição de Barack Obama. “Ele iniciou um processo de reparação fundamental que inclui a defesa da manutenção de línguas indígenas no sistema de ensino.” Em junho passado, quando se reuniu com os sioux de Dakota do Norte, Obama tornou-se o quarto presidente dos EUA a visitar uma tribo.
Erdrich vive em Minnesota, onde é dona de uma livraria e uma editora independentes. Além de livros, comercializa artesanato e remédios indígenas. Ela não fala o ojibwe com fluência. “Sou uma aluna capenga.”
Ao mesmo tempo que trata o inglês como o idioma do colonizador, inclinado a destruir outras culturas, admira o “caráter onívoro” da língua em que escreve. Segundo a autora, a vitalidade linguística vem da crueldade do processo de colonização. “Eu costumo ser ambígua com o inglês, a minha língua materna.”
Embora não antecipe o enredo da próxima obra, ela revelou seu desassossego atual, capaz de figurar como tema de sua ficção. “Uma das maiores ameaças à sobrevivência dos índios é a exploração de combustíveis fósseis nas terras tribais”, diz. “Ninguém deu a atenção devida a esse fenômeno tão contemporâneo e esmagador.”
A CASA REDONDA (THE ROUND HOUSE)
AUTOR Louise Erdrich
EDITORA Alfaguara
TRADUÇÃO Daniel Estill
QUANTO R$ 36,90 (408 págs.)