A violência contra a mulher, em especial o feminicídio, não é apenas uma questão jurídica ou de segurança pública. Ela se configura também como um fenômeno cultural, social e comunicacional. A forma como a sociedade recebe e interpreta a notícia de um feminicídio influencia diretamente o comportamento coletivo e pode, em muitos casos, tanto estimular novas ocorrências quanto preveni-las. Nessa perspectiva, a imprensa se torna um ator central no enfrentamento dessa grave violação de direitos humanos.
Fundamentos teóricos e comunicação social
Estudos nacionais e internacionais demonstram que o modo de noticiar o feminicídio pode gerar dois efeitos opostos: o chamado efeito copycat, quando a cobertura sensacionalista estimula imitadores, e o efeito protetor, quando a divulgação responsável amplia a conscientização e fortalece a prevenção. O conceito de copycat já foi identificado em outros tipos de crimes, como suicídios, massacres e atentados violentos. No caso da violência de gênero, a cobertura midiática, ao naturalizar ou espetacularizar o feminicídio, pode servir de incentivo a potenciais agressores.
Exemplos internacionais
O caso de Wanda Taddei, na Argentina, é emblemático. Após ampla divulgação de sua morte por queimaduras, em 2010, o país registrou aumento expressivo de feminicídios cometidos com fogo. Pesquisas feitas em países do Oriente também indicaram aumento de mulheres queimadas com ácido pelo marido em países como Bangladesh, Índia e Camboja, após repercussão midiática de casos semelhantes. Esses trágicos precedentes evidenciaram que a espetacularização dos detalhes pode gerar uma onda de reprodução criminosa.
Por outro lado, pesquisas na Espanha comprovaram que reportagens que divulgam canais de denúncia e serviços de apoio geram efeito protetor, reduzindo a letalidade nos dias seguintes. Essas experiências internacionais reforçam a necessidade de protocolos claros de comunicação sobre violência de gênero.
Iniciativas no Distrito Federal
No Distrito Federal, inspirado em experiências internacionais, um grupo de trabalho foi formado com representantes do Ministério Público, do Judiciário, da Segurança Pública e Defensoria Pública para elaborar esse protocolo de forma coletiva. O objetivo não é limitar a liberdade de imprensa, garantida pelo artigo 5º, inciso IX, da Constituição, mas orientar para um jornalismo ético e comprometido com os direitos humanos, especialmente, com a prevenção de violências contra mulheres. Entre as diretrizes propostas estão: evitar a exposição desnecessária de imagens violentas; não romantizar relações abusivas; dar voz a especialistas e instituições de proteção às mulheres; divulgar informações sobre canais de denúncia e serviços de apoio; e contextualizar o feminicídio como problema social, nunca reduzindo a cobertura a detalhes mórbidos.
Como promotoras de justiça já testemunhamos famílias terem sua dor exposta de forma cruel pela mídia, sem respeito à dignidade humana. A situação, porém, é ainda mais grave: em audiências, ouvimos relatos de vítimas que, após a exibição de reportagens sobre feminicídio, foram ameaçadas pelos réus com frases como: ‘você será a próxima’ e ‘ vou fazer pior com você’. Por outro lado, vimos também situações em que uma reportagem bem conduzida serviu de alerta, levando mulheres a procurar ajuda a tempo. Esses exemplos concretos evidenciam que o jornalismo possui um papel fundamental na proteção da mulher. A mudança cultural necessária para erradicar o feminicídio exige a participação de todos os setores sociais, e a imprensa ocupa lugar central nesse processo.