Livro revela os bastidores do feminicídio, por Giovana Madalosso

Mídia Ninja – Machismo mata – feminicídio

Foto: Mídia Ninja

10 de novembro, 2025 Folha de S. Paulo Por Giovana Madalosso

  • Os feminicidas estão entre nós: 91% deles são maridos, ex-maridos ou parentes das vítimas
  • O machismo é o nascedouro de todas as violências de gênero

Quase todo mundo já ouviu a frase: o machismo mata. Sejamos mais exatos: o machismo mata, em média, quatro mulheres por dia no Brasil. Como e por que isso acontece? É o que o Klester Cavalcanti nos conta em “Matou Uma, Matou Todas”, livro reportagem que nasce de seis anos de pesquisas e entrevistas com mais de 80 pessoas afetadas por feminicídios, em diversos cantos do país.

Ainda que tenha levantado centenas de casos, o autor fez a escolha acertada de contar poucas histórias, narrando cada uma com detalhamento, qualidade literária e um suspense que envolve o leitor. São cenas tão absurdas que, às vezes, temos a impressão de estar lendo ficção. Infelizmente, não é o caso.

Nesse livro, conhecemos Vilma, mulher de classe alta, casada com Alberto. Aquele tipo que encrenca por qualquer motivo. Tinha ciúmes das roupas da mulher. Achava a maquiagem chamativa. Vilma aguentava por ter filhos com ele –e por viver em uma sociedade que nos cria para aguentar.

As agressões foram crescendo até que ele esmurrou, no meio da rua, o rosto da esposa, que perdeu dois dentes. Ela pediu a separação. Numa certa noite, Vilma dançava com um amigo em uma boate, ao som de “I Want To Break Free”. Alberto surgiu na pista com uma pistola e baleou os dois.

Silvana teve uma história a um só tempo distinta e parecida. Vinda de uma família pobre, começou a trabalhar como empregada aos 12 anos. Adulta, engatou namoro com Agnaldo, garçom de um karaokê.

Os dois se casaram. Agnaldo era intempestivo. Aliás, os dois eram. Tanto Silvana quanto Agnaldo tinham crises de ciúmes. A diferença era a violência com que ele manifestava isso.

Ao longo dos anos em que estiveram juntos, ele cortou com tesoura uma calça dela, que julgava ser muito provocativa. Quebrou seu celular. Deu-lhe empurrões e tapas. Silvana procurou ajuda na polícia. Passou a ser amparada pela Lei Maria da Penha.

No entanto, enfrentou um problema comum às mulheres que têm filhos com seu agressor. “O aperto financeiro, a solidão física, o preconceito em relação a uma mãe solteira e a ausência do pai dos seus filhos levam-nas, muitas vezes, a permitir uma reaproximação”, Klester explica.

Foi o que aconteceu. Numa noite, depois de um desentendimento, Agnaldo apareceu na casa de Silvana e da filha com uma faca. “Corre, mãe! Corre, que ele tá com uma faca!”. Silvana não teve tempo. Agnaldo desferiu-lhe 17 facadas no rosto, na frente da menina.

Silvana sobreviveu. No hospital, ouviu um dos médicos que suturara sua face dizer: “Vai saber o que ela fez para merecer isso”.

É desse machismo sem fim que Klester tenta dar conta. Com esses e outros casos, amparados por números e análises bem sacadas, o autor nos leva a entender pontos importantes.

Qualquer mulher pode ser vítima. Os assassinos não são monstros, nem párias. Eles estão entre nós. 91% deles são maridos, ex-maridos ou parentes das vítimas. Homens que vão dando sinais de violência. Sinais que não devem ser tolerados.

Da mesma forma que não devemos tolerar quaisquer outros sinais de machismo, afinal o machismo é o nascedouro do feminicídio e de todas as outras violências de gênero. Em um dos países que mais mata mulheres no mundo, “Matou uma, matou todas” é leitura necessária para um problema urgente e coletivo.

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