Socióloga analisa os dados de que a violência doméstica tem aumentado durante uma das principais ações para evitar a propagação da Covid-19: ficar em casa
(IHU On-Line, 03/04/2020 – acesse no site de origem)
Não é de hoje que pesquisadores e estudiosos têm constatado que, quando se fala em violência de gênero, no lar as coisas não são tão doces como se imagina. Para a socióloga Jacqueline Pitanguy, essa é uma realidade comprovada em dados empíricos desde, pelo menos, 1986. “Dados da Pnad revelaram que uma porcentagem mais significativa – em torno de 80%, não tenho os números exatos – das ocorrências de violência registradas por homens aconteciam fora de casa e a maior parte delas eram cometidas por desconhecidos. Já com as mulheres ocorria o padrão reverso: a maioria dos casos registrados de violência contra a mulher aconteciam dentro de casa e por pessoas conhecidas”, detalha, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
E se a casa já era, em muitos casos, um ambiente insalubre para as mulheres, as recomendações de autoridades da saúde para que se pratique o isolamento social como forma de frear a pandemia de coronavírus tem se refletido em aumento dos casos. “No Brasil, nós temos a informação de que houve um aumento de 15% no aumento de registros de violência atendidos pela Polícia Militar no Paraná. No Rio de Janeiro, os números chegaram a crescer 50%”, exemplifica Jacqueline. E o pior: é um fenômeno global, não é só um caso brasileiro, pois até mesmo na China se percebeu esse aumento. “Revela que diferentes culturas criaram essa ideia de insubordinação da mulher”, acrescenta.
Entretanto, a pesquisadora lembra que o caso brasileiro ainda contém um agravante. Se no confinamento aumentam os casos de violência, num confinamento onde há acesso a armas de fogo a agressão pode se converter em feminicídio. “Se a casa sempre foi perigosa, e desde a década de 1980 isso ficou evidente, esse perigo se exacerbou muitíssimo em 2019, com o decreto presidencial que permite que se tenha até quatro armas de fogo dentro de casa”, analisa. E sentencia: “Isso está tornando a casa não só perigosa, mas também letal. Estamos passando de um estágio de tapas e empurrões, das agressões físicas, para a morte e os assassinatos”.
Para Jacqueline, mesmo diante desses quadros não se pode esquecer que tem havido avanços. Isso porque os avanços – desde a instituição de políticas públicas até a criação de dados e pesquisas que revelam essa dura realidade – mostram, segundo ela, que a sociedade está percebendo o problema e até mesmo respondendo a ele. O desafio, para a socióloga, é constante, pois vai em ondas que se alternam em avanços e retrocessos. Por isso é fundamental que haja vigilância e ações contínuas. “É muito importante reconhecermos os avanços. Não podemos ir somente pelo lado negativo, senão paralisa; dá vontade de sentar no chão e chorar. Mas não é isso, pois quando nós temos um aumento no registro de casos de violência, isso é ao mesmo tempo dramático e lamentável, mas também auspicioso, porque significa que as mulheres, as vítimas, estão rompendo o silêncio e quebrando esse ciclo”, resume.
Jacqueline Pitanguy é socióloga e ex-professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e da Universidade de Rutgers, New Jersey, EUA. Foi presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM e em 1990 fundou a Cepia – Cidadania, Estudos, Informação e Ação, uma organização não governamental com sede no Rio de Janeiro, da qual é coordenadora executiva. Ainda integrou, na qualidade de notório conhecimento, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
Confira a entrevista completa neste link.