“Isso sempre estará marcado”, diz jovem que teria sido estuprada em festa

08 de janeiro, 2016

(Correio Braziliense, 08/01/2016) Em entrevista exclusiva ao Correio, jovem narra detalhes do suposto estupro sofrido no réveillon. Diz que não se arrepende da denúncia pública, ficou na festa porque dependia de ônibus e só se deu conta da violência no dia seguinte

Desde que denunciou ter sido estuprada por um segurança na noite de réveillon, uma jovem de 24 anos, estudante da Universidade de Brasília (UnB), vive sob julgamento público. Precisa provar a todo custo que o relato de seu drama pessoal é verdadeiro. Depois do depoimento postado no Facebook, divulgado no segundo dia do ano, ela falou ontem, em entrevista exclusiva ao Correio, sobre o que aconteceu naquela madrugada, no estacionamento de uma festa, no Setor de Clubes Norte.

A moça chegou à noite ao jornal, acompanhada de dois advogados, do pai e da irmã. Conversou com a reportagem durante uma hora, mas não quis responder a todas as perguntas, por restrição da equipe que a representa no caso. A jovem contou que chegou à festa The Box—Reveião, de ônibus, logo no início, antes mesmo de os portões abrirem, acompanhada de dois amigos. Bebeu bastante. Quanto e o que consumiu, mantém em segredo. Pelo relato ao Correio, de repente, um homem que ela nunca tinha visto a pegou pelo braço e a levou para o estacionamento. “Eu nem sabia da existência dele, não tinha visto ele antes. De verdade. Ele simplesmente me abordou e me levou pra fora. Eu não entendi, não ouvi direito, a música estava muito alta”, conta.

A reportagem quis saber o que aconteceu no estacionamento. Mas a estudante engasga quando se lembra do que houve. Ela chora e treme. Pede para parar e respirar. Levanta-se e vai ao banheiro. O pai e a irmã a confortam.“Tenho pesadelos com aquele momento, não consigo dormir”, revela. Orientada pela advogada, a jovem também evita falar sobre por que esperou Wellington Monteiro Cardoso, o segurança que a teria violentado, voltar ao estacionamento depois de tudo. Mas explica quando tomou consciência do que lhe aconteceu. “Eu fiquei em estado de choque e não pensei em nada. Comecei a ficar preocupada quando não consegui tirar o absorvente interno (no dia seguinte). Foi quando a ficha começou a cair”, explica.

Enquanto ela fala, o pai tem um olhar perdido. “É um crime odioso, deixou a gente consternado. Eu não posso nem brincar mais com a minha filha que ela se assusta”, lamenta. “A gente exige das autoridades que tomem as providências para que a justiça seja feita. Nós temos princípios familiares e é por isso que ela está aqui, porque ela tem coragem”, acrescenta.
A jovem continua o relato para a reportagem. Por que permaneceu mais cinco horas numa festa depois de sofrer uma violência sexual? “Eu fui pra festa com dois amigos, de ônibus. A parada mais próxima ficava a 20, 30 minutos caminhando. Era um local que eu nunca tinha ido, era deserto. Não tinha como, naquela hora da noite, embriagada, em um local deserto, mal iluminado, voltar sozinha.” Moradora de Santa Maria, ela estava a 40km de casa.

A estudante conta que não imaginava a grande repercussão de sua denúncia. Mas hoje acha que tomou a decisão correta. “Eu me arrependeria se tivesse ficado calada”, desabafa. Depois da conversa, a moça abraçou a irmã e chorou.

Entrevista

De onde você tirou coragem para contar uma história tão difícil?
Na verdade, eu não tinha intenção nem imaginava que isso fosse tomar essa repercussão toda. Eu pensei em publicar no meu perfil e compartilhar na página do evento e na página oficial da festa. Em poucos minutos, a página do evento tinha saído do ar, desaparecido, e a página da festa tinha apagado o meu compartilhamento. Em princípio, eu só queria que a organização tomasse uma providência, soubesse do ocorrido.

Você nunca imaginou que essa história mobilizaria as pessoas?
Nunca.

E por que você acha que isso aconteceu?
Acho que, geralmente, as vítimas de estupro não se pronunciam. Além disso, a mulher é sempre culpada, ela é sempre culpabilizada. Acho que a minha iniciativa causou isso.

No seu relato, você diz que jamais quer que outra pessoa passe pela mesma situação. Também foi sua intenção alertar outras pessoas? Ou foi apenas um desabafo?
Foi o que eu respondi sobre alertar a organização da festa, não quis premeditar nada.

Sobre os seus sentimentos, o que você está passando?
Eu tenho buscado não ler, não assistir aos jornais. Estou tentando me manter o mais afastada disso tudo, mas não tem sido um momento agradável. Tenho pesadelos com aquele momento, não consigo dormir, apenas (relaxo) quando percebo que a minha família já acordou. É quando eu me sinto um pouco mais segura para dormir.

Você acha que vai esquecer tudo isso e voltar a viver com tranquilidade?
Eu não tive tempo de pensar nisso, mas acho que esquecer… Ninguém esquece. Não tem como. A não ser que seja um problema de saúde. De alguma forma, isso sempre estará marcado, mas não é algo que eu vá deixar me paralisar. Espero superar.

Você falou de uma médica, que te deu conforto.
Sim, ela me atendeu no hospital da Asa Sul. Ela me atendeu superbem, foi empática. Não que em outros momentos eu não tenha sido bem atendida, mas lá era um consultório pequeno, só tinha eu e ela lá dentro. Eu me senti melhor com ela.

Como você voltou para a festa e conseguiu ficar até o fim depois de tudo o que aconteceu?
Eu fui para a festa com dois amigos, de ônibus. A parada mais próxima ficava a 20, 30 minutos caminhando (da Acadêmicos da Asa Norte, no Setor de Clubes Norte). Era um local que eu nunca tinha ido, deserto. Não tinha como, naquela hora da noite, embriagada, em um local deserto, voltar sozinha. Eu não tinha condições. Para chegar em casa, eu ainda pegaria uns três ônibus. Fiquei com medo de voltar sozinha.

Por que você demorou a contar para os seus amigos?
Eu demorei para assimilar as coisas. Demorei para entender o que tinha acontecido. Senti vergonha.

O que você consumiu te deixou fora de si?
Sim, com certeza. Não tinha condição de responder pelos meus atos.

Ele estava te encarando quando te levou para fora da festa?
Eu nem sabia da existência dele, não o tinha visto antes. De verdade. Ele simplesmente me abordou e me levou pra fora. Eu não entendi, não ouvi direito, a música estava muito alta.

Quando você acordou no outro dia… Foi quando se deu conta do que tinha acontecido? Ou você foi martelando isso durante a noite?
Eu fiquei em estado de choque e não pensei em nada. Comecei a ficar preocupada quando não consegui tirar o absorvente interno. Foi quando a ficha começou a cair, me dei conta do que tinha acontecido de verdade, de que não tinha sido consensual.

E os seus amigos, estão solidários?
Sim, eles também não estão bem.

Seus amigos dizem que não viram nada.
Foi por causa da confusão da festa?
Imagino que sim.

Como você tem se sentido nesses dias?
Não sei descrever, não tem palavras. Devastada. Não tem como descrever. A gente acha que estupro é algo imperdoável, mas sentir isso na pele é diferente. Não tem palavra que explique.

Você está preparada para enfrentar todo esse processo?
Eu não tenho escolha. Se não estiver, tem que ir do mesmo jeito.

Você se arrepende de ter denunciado?
Não. Arrependeria-me se tivesse ficado calada.

O que você espera?
Justiça. Eu quero que a justiça seja feita, da forma como ela tiver de ser feita, sem pular nenhuma etapa.

Por que você permaneceu no estacionamento até que o segurança voltasse?
Eu estava em choque.

Ana Maria Campos , Laura Tizzo /Especial para o Correio

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