Justiça vai contra a lei e expõe nomes e até endereços de crianças e mulheres vítimas de estupro e violência doméstica

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Foto: Mídia Ninja

04 de junho, 2025 g1 Por Judite Cypreste

O g1 encontrou 120 casos em que vítimas tiveram o nome divulgado em ordens de prisão. Para especialistas, exposição é uma nova agressão a pessoas que já sofreram uma violência. Tribunais dizem que vão apurar. Conselho Nacional de Justiça diz que ‘erros’ podem ser levados à corregedoria nacional.

Maria (nome fictício) tinha 13 anos quando foi estuprada dentro de casa pelo padrasto, em 2013, em Pernambuco. O caso passou a ser investigado depois que a menina contou sobre a violência para a mãe. Contra a lei, o nome da vítima e detalhes do crime foram expostos pela Justiça.

O depoimento de Joana (nome fictício), que relatou à Justiça os abusos sexuais que sofreu desde os 7 anos, no Pará, também estava exposto pelo Judiciário.

Maria e Joana estão entre 120 pessoas, a maioria mulheres e crianças vítimas de agressões, estupros e tentativas de feminicídio, que tiveram os nomes divulgados indevidamente em ordens de prisão expedidas por 19 tribunais de Justiça e inseridas no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).

O BNMP é de acesso público e reúne, entre outras informações, os nomes e endereços de pessoas procuradas pela Justiça, com o objetivo de auxiliar as forças de segurança na localização de foragidos. Os dados das vítimas, no entanto, deveriam estar sob sigilo.

‘Não fazia ideia’, diz vítima que teve nome exposto

A exposição foi descoberta pelo g1 após uma análise de 123 mil ordens de prisão, cerca de metade das vigentes no país. Os dados das demais não foram disponibilizados à reportagem (leia mais abaixo).

“Eu sabia que determinadas pessoas podiam ter acesso [ao processo], como o advogado dele, mas não fazia ideia de que era tão exposto da forma como você está me falando. Não fazia ideia mesmo”, disse ao g1 uma das mulheres que teve o nome divulgado.
O g1 procurou os 19 tribunais e o CNJ. Dois tribunais (Amazonas e Rio Grande do Sul) informaram que acionaram as corregedorias. O do Rio de Janeiro disse que vai apurar; o de Rondônia, que corrigiu o erro. Sergipe afirmou que vai aprimorar seus fluxos internos; e o de Alagoas, que vai pedir revisão de documentos.

O Tribunal do Mato Grosso do Sul disse que solicitou a retirada dos mandados da consulta pública. O do Ceará afirmou que tem mantido esforços contínuos de orientação com magistrados para prevenir a exposição de dados.

O Tribunal do Distrito Federal afirmou que a corregedoria reforçará o sigilo nos casos e que solicitará a retificação do mandado com a exposição da vítima.

Após a publicação da reportagem, o Tribunal do Maranhão enviou uma nota afirmando que expediu uma orientação para que os juízes cumpram a LGPD, o sigilo da Lei Maria da Penha e as normas de proteção de dados do CNJ para o BNMP.

Os tribunais do Amapá, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nega “erro sistêmico” e afirmou que reconhece a importância de proteger dados de vítimas, tendo editado normas para evitar exposições indevidas. Disse ainda que vai reforçar orientações aos tribunais e que casos como esses podem ser analisados pela Corregedoria Nacional.

‘Justiça deveria garantir direitos, não violá-los’

Para Mariana Albuquerque Zan, advogada do Instituto Alana, que atua em defesa dos direitos da criança e do adolescente, proteger o nome das vítimas é essencial para proteger o futuro delas, e evitar que a dor causada pelos crimes sofridos seja agravada.

“O sigilo é estabelecido para que essas crianças não sofram outras violências a partir da violência que já tenham sofrido”, afirma. “Choca mais quando a gente fica sabendo que é pelo próprio sistema de Justiça, porque a gente tem essa ideia de que ele está aqui para garantir direitos, e não para violar.”

Para Anabel Pessôa, cofundadora do Instituto Maria da Penha e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, além de evitar constrangimento público, o sigilo é importante para evitar que as mulheres desistam de denunciar os agressores.

“A exposição coloca a mulher em risco não só diante do agressor, mas também da sociedade. Com a nova lei, o sigilo passou a ser obrigatório por norma expressa”, afirma. A vítima pode ser alvo de preconceito, fofoca, retaliação, e tudo isso pode levá-la a se calar. O Estado, ao falhar no sigilo, contribui para a revitimização.”

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