Especialista reforça importância do acesso à informação e vê discriminação como entrave para redução da epidemia; ONU tem metas para redução das infecções
(Opera Mundi, 02/10/2017 – acesse no site de origem)
O retorno da discussão sobre a ‘cura gay’ no Brasil é um obstáculo ao cumprimento das metas das Nações Unidas sobre HIV e aids. A avaliação é do diretor regional do Programa Conjunto da ONU sobre HIV/AIDS (UNAIDS) para a América Latina e o Caribe, César Núñez. Para o especialista, o fim de toda forma de discriminação é essencial para combater a epidemia.
“Não podemos falar de prevenção, tratamento e nem de fim da aids sem direitos humanos. Não podemos alcançar as metas com retorno de discussão sobre a cura gay, com projetos de lei que criminalizem a transmissão do HIV ou com qualquer outra forma de discriminação”, disse o dirigente durante a abertura do 11º Congresso de HIV/AIDS e do 4º Congresso de Hepatites Virais, na semana passada.
O gestor defendeu que campanhas de prevenção “quebrem tabus” e abordem francamente os desafios enfrentados pelos segmentos mais vulneráveis.
“O quadro atual (da epidemia de HIV/AIDS) ainda penaliza as mulheres e as populações-chave, em especial os jovens homens gays e outros homens que fazem sexo com homens, as travestis e transexuais, e também profissionais do sexo e seus clientes, pessoas que usam drogas, pessoas privadas de liberdade, os negros, as pessoas de baixa renda e baixa escolaridade, os indígenas e tantas outras populações marginalizadas não apenas no Brasil, mas em toda América Latina”, explicou.
Segundo Núñez, todos esses grupos devem ser incluídos em políticas públicas e na sociedade como um todo “porque, como qualquer pessoa neste planeta, têm o direito a uma vida plena e digna”.
Para o diretor, é necessária uma revolução da prevenção, que precisará ser acompanhada de uma revolução de dados e estatísticas, capazes de confirmar a eficácia das iniciativas que difundem como evitar a infecção pelo vírus HIV.
“É essencial sensibilizar sobre a importância da prevenção e tratamento, sobre o acesso à informação e ainda mais primordial falar sobre sexualidade e HIV. Não podemos quebrar preconceitos, eliminar estigmas e contribuir para o fim da epidemia sem dados que apoiem esse esforço”, defendeu o especialista.
Quais são as metas da ONU sobre HIV e AIDS
Em seu discurso, Núñez lembrou a importância das metas 90-90-90 da ONU — um conjunto de compromissos dos Estados-membros para garantir que, até 2020, 90% das pessoas vivendo com HIV estarão cientes de seu estado sorológico positivo, 90% dos indivíduos com o vírus estarão sob tratamento e 90% das pessoas em tratamento estarão com a carga viral indetectável.
“O terceiro 90 — de garantir que 90% das pessoas em tratamento estejam com carga viral indetectável — não significa apenas a adesão ao tratamento. Significa também melhor qualidade de vida para essas pessoas. E mais: estas pessoas passam a ser agentes protagonistas da prevenção, impactando toda a cadeia de resposta ao HIV”, explicou.
O diretor elogiou o protagonismo do Brasil que, por sua dimensão continental e capacidade de implementação de políticas, está estrategicamente posicionado no cenário global para avançar as iniciativas contra a epidemia. “Se não nos esforçarmos para alcançar o 90-90-90, o mundo corre o sério risco de falhar em sua missão de saúde global em relação à AIDS. Projeções mostram que os últimos dez anos terão sido em vão”, alertou.
“Não podemos incorrer no mesmo erro que fizemos com a tuberculose. Quando poderíamos ter a eliminado nos anos 80, com os avanços da saúde pública na época, deixamos a inércia tomar conta e reduzimos as iniciativas. Resultado: hoje temos a tuberculose multirresistente que é causa de muitas mortes de pessoas com HIV.”