‘Cura gay’: OAB se une a Conselho de Psicologia em ação contra tratamento

20 de setembro, 2017

Presidente da entidade diz que eventual decisão neste sentido pode representar ‘retrocesso social’. Resolução que impedia profissionais de verem homossexualidade como doença foi ‘derrubada’ no dia 15.

(G1, 20/09/2017 – acesse no site de origem)

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu “auxiliar” a defesa do Conselho Federal de Psicologia na ação popular que “derrubou” a resolução 001/1990, que impedia os profissionais de ofertarem “cura gay” e de verem homossexualidade como doença. De acordo com o presidente nacional, Claudio Lamachia, uma eventual decisão neste sentido pode representar “retrocesso social”.

A decisão foi tomada durante reunião nesta terça-feira (19). Com isso, a OAB vai ingressar como amicus curiae – “amigo da corte” ou “amigo do tribunal”, entidade estranha à causa que traz esclarecimentos sobre questões essenciais ao processo.

Leia mais: Especialistas repudiam liminar que trata homossexualidade como doença (O Globo, 19/09/2017)

“A OAB tem de ingressar em juízo na condição de amicus curiae para que eventual decisão de mérito nessa ação não represente de forma alguma retrocesso social que implique no tratamento de homossexuais como portadores de doença, o que é inaceitável”, disse Lamachia.

Trecho de ata de audiência em que juiz liberou tratamento da homossexualidade como doença (Foto: Reprodução/Justiça Federal do DF)

Trecho de ata de audiência em que juiz liberou tratamento da homossexualidade como doença (Foto: Reprodução/Justiça Federal do DF)

Na última sexta (15), o juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal, liberou psicólogos a tratarem gays e lésbicas como doentes, podendo fazer terapias de “reversão sexual”, sem sofrerem qualquer tipo de censura por parte dos conselhos de classe.

O magistrado argumentou “liberdade científica” para tomar a decisão. A medida é liminar e acata uma ação popular movida por profissionais que dizem acreditar na “cura gay”.

Para o Conselho Federal de Psicologia, terapias de reversão sexual representam “uma violação dos direitos humanos e não têm qualquer embasamento científico”. Desde 1990, a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde. O presidente do CFP, Rogério Giannini, afirmou ao G1 nesta terça-feira (20) que deve entrar com recurso nesta quarta.

Relator da proposta no Plenário do Pleno da OAB, o conselheiro federal Marcello Terto e Silva (GO) disse que a tentativa de classificar homossexuais como portadores de uma doença é inaceitável e anacrônica.

“É uma abordagem que já foi descartada há muito tempo no plano internacional, em 1990. Então essa decisão de ingressar como amicus curiae é o cuidado em acompanhar essa discussão em juízo para que não haja uma distorção em relação à aplicação da resolução que vem impedir que os profissionais da psicologia possam agir dessa forma, tratando as pessoas que os procuram como portadores de patologia.”

Ação popular

Uma das autoras da ação popular que questionava a resolução é a psicóloga Rozângela Alves Justino, que oferecia terapia para que gays e lésbicas deixassem de ser homossexuais. Ela foi punida em 2009 pela prática.

Na época, Rozângela disse ao G1 que considera a homossexualidade um distúrbio, provocado principalmente por abusos e traumas sofridos durante a infância. Ela afirmou ter “aliviado o sofrimento” de vários homossexuais.

“Estou me sentindo amordaçada e impedida de ajudar as pessoas que, voluntariamente, desejam largar a atração por pessoas do mesmo sexo”, disse Rozângela na ocasião.

O que diz a decisão?

A decisão liminar (provisória) derruba uma resolução de 1999 do Conselho Federal de Psicologia, que proibia qualquer tipo de conduta dos psicólogos na tentativa de “curar” a homossexualidade. Essa resolução se baseia no entendimento da Organização Mundial de Saúde (OMS), que, desde 1990, não entende as questões de orientação sexual como doenças.

A decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho acata parcialmente o pedido de uma ação popular, assinada por psicólogos defensores das “terapias de reversão sexual”. Sob alegação de garantir a plena liberdade científica, o magistrado disse entender que não se pode “proibir o aprofundamento dos estudos científicos relacionado à (re) orientação sexual”.

Na decisão, Carvalho diz que a resolução continua a valer, mas não pode ser interpretada “de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual”. Na prática, essa liminar abre espaço para que os psicólogos tentem “curar” gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis.

Membro do Conselho Federal de Psicologia, Paulo Aguiar (Foto: Raquel Morais/G1)

Membro do Conselho Federal de Psicologia, Paulo Aguiar (Foto: Raquel Morais/G1)

Para o Conselho Federal de Psicologia, terapias de reversão sexual representam “uma violação dos direitos humanos e não têm qualquer embasamento científico”.

“A gente sente muito que ainda hoje a gente tenha que estar discutindo e gastando muita energia com uma coisa que a gente já entende que não tem que estar discutindo isso, a gente tem é que reforçar o respeito ao direito humano, respeitar as diversas formas de as pessoas serem e estarem no mundo”, diz o psicólogo e representante do conselho Paulo Aguiar.

Ele também contesta o trecho da decisão que cita uma suposta “proibição dos estudos” sobre a sexualidade humana. “Nós não temos inferências sobre isso. Quem regula são os comitês de éticas das universidades, o Ministério da Saúde e órgãos como a Capes que regulam isso.”

Casos recentes

Nos últimos cinco anos, o Conselho Federal de Psicologia recebeu queixas contra três profissionais que ofertavam tratamento para homossexualidade. De acordo com o presidente do órgão, Rogério Giannini, uma psicóloga – que está entre os autores da ação – teve o registro cassado por causa da prática.

De acordo com o conselho, a resolução trouxe impactos positivos no enfrentamento a preconceitos e proteção de direitos da população homossexual no país, “que apresenta altos índices de violência e mortes por LGBTfobia”. A oferta de tratamentos de “cura gay” eram passíveis de punição.

Repercussão

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta terça, para que o órgão “tome providências” em relação ao juiz federal. Segundo o parlamentar, a decisão atenta contra a cidadania.

“[…] A decisão do magistrado, além de afrontar os princípios constitucionais aludidos, vai contra a promoção da cidadania, o desenvolvimento e a inclusão social, objetivos perseguidos por este Conselho Nacional de Justiça”, diz a representação.

No texto, Orlando Silva diz ainda que a decisão judicial “enfraquece toda e qualquer ação que contribua para o fortalecimento da educação e da consciência dos direitos, deveres e valores do cidadão”.

Nesta quarta (20), o deputado federal Jean Wyllys anunciou que também vai acionar o CNJ. Para o deputado, o argumento de que o juiz está permitindo a liberdade científica é “falacioso e enviesado”, já que a homossexualidade não é um transtorno psíquico – por isso, nenhuma terapia de reversão pode ser aplicada.

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