(O Globo, 23/10/2015) Com histórico de constrangimentos na escola, eles encontram apoio uns nos outros
Fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), este ano, vai equivaler a um ato revolucionário para um pequeno grupo de menos de 300 pessoas. Elas são transgênero e confiam que, depois de graduadas, terão mais armas para ajudar a construir um futuro igualitário. Foram 278 os transexuais que solicitaram o uso do nome social nos dias de prova, de acordo com o Inep — quase o triplo em relação ao ano passado. Cerca de 20 deles estudam há pelo menos três meses no curso Prepara, Nem!, criado em meados deste ano com o apoio do grupo Transrevolução e outros coletivos da causa LGBT.
Com 80 voluntários, grande parte deles professores, as aulas têm sido oferecidas gratuitamente em espaços do Centro, como as sedes dos sindicatos dos jornalistas e dos petroleiros.
— Estamos abertos a transgêneros e outras pessoas em situação de vulnerabilidade social e preconceito de gênero — diz um dos fundadores, Thiago Bassi.
As histórias dos inscritos se parecem: constrangimentos desde os primeiros anos escolares seguidos de evasão. Alguns sofreram abuso e se prostituíram.
— Aos 7 anos eu era alvo de chacota na escola e sofri violência sexual de meninos mais velhos até os 9 anos — lembra Bárbara Ayres, de 25 anos, que sonha se formar em Jornalismo. — Eu tentei largar a prostituição e me tornar cabeleireira, porque até então era a única profissão que me diziam que eu podia ter, mas nenhum salão me contratou.
Lara Lincoln Milanez, de 29, conta que, no colégio onde cursou o ensino médio, passou por situações em que professores se recusavam a se referir a ela no feminino. Um deles foi demitido.
— Não me sentiria à vontade em um curso comum, por medo de transfobia. Isso deve acontecer no ambiente universitário, mas estou criando coragem — diz ela, que quer cursar Direito.
Em 12 de novembro, os fundadores do curso farão uma festa para arrecadar fundos que tornem possível a realização do Prepara Nem! 2016.
— Já ouvi asneiras como “É absurdo travesti frequentar universidade”. Eu quero mostrar que eu posso — ressalta Luciana Vasconcellos, aos 36 anos.
Clarissa Pains
Acesse no PDF: Curso Prepara, Nem! instrui transgêneros que farão o Enem (O Globo, 23/10/2015)