(HuffPost Brasil, 05/08/2016) Neon Cunha recebeu o registro de nascimento como sendo um menino. Seu nome foi Neumir, os pais eram migrantes do interior de Minas Gerais. O pai trabalhou como metalúrgico em um chão de fábrica, a mãe como faxineira em chão de gente rica. É a mãe que conta como desde miudinha Neon se apresentava menina nas roupas e brinquedos. Neon é uma transexual, uma transmulher, isto é, o corpo designado como masculino ao nascer não é o que ela se reconhece pela vida. Neon quer ser ela; caso contrário, prefere ser ninguém. Se a Justiça não acolher seu pedido de mudança de nome, Neon prefere o “direito a uma morte assistida”.
Morte assistida é uma expressão comum à bioética. Descreve formas e cuidados para as pessoas em estágio terminal de doenças para uma morte sem dor ou sofrimento. A morte assistida pode ser por uma injeção de potássio ou pela máquina de morte do dr. Jack Kevorkian. Neon não foi tão longe no anúncio “ela ou ninguém”, não esclareceu como imaginaria realizar seu pedido alternativo à mudança de nome. Apenas declarou que ou a autorizam a mudança de nome, ou preferiria desaparecer da vida em que vive trancafiada no masculino há 44 anos.
Sim, é verdade que outras pessoas transexuais já mudaram de nome no País; então, qual seria o desafio particular de Neon? Ela se recusa à medicalização prévia para que a reconheçam como mulher. Ela quer ser uma mulher com nome de mulher, seios implantados, porém com pênis. Não quer saber disso de mutilar-se para ser reconhecida como um corpo no feminino: “Não vou passar por controle médico, me recuso a passar por um processo de patologização”.
Para um corpo sexado de um jeito se transformar em outro, nem que seja só pela mudança de nome, inventou-se uma doença psiquiátrica: haveria uma incompatibilidade entre o gênero designado ao nascer e o gênero vivido pela pessoa. Havendo uma doença classificada pela medicina, a pessoa teria o direito de mudar o nome, se antes arrumar o corpo dentro da lógica binária de machos e fêmeas. É assim que antes de ter o nome mudado, Neon teria que plastificar o corpo no epicentro da masculinidade – o pênis precisaria ser arrancado para apagar os vestígios da sexagem original.
Neon desdenha da autoridade da psiquiatra, assume-me como a voz legítima para descrever o que se passa no íntimo e no corpo. Por isso, diz não ter medo da morte, “tenho medo de morrer sem dignidade”. Nomear-se de um jeito compatível ao corpo que habita é tratá-la com dignidade.
Neon não tem as dúvidas dos juristas que acreditam haver conflito entre princípios, se entre o direito à vida ou o direito à dignidade: qual seria o mais importante? Para ela, “não há nada mais primário do que a garantia de dignidade, nem mesmo a vida”. Ou viverá como ela, Neon, uma mulher, ou morrerá dignamente com figurino previamente escolhido para o caixão.
Acesse no site de origem: Ele é ela; ou não será ninguém, por Debora Diniz (HuffPost Brasil, 05/08/2016)