Para o ministro Edson Fachin, do STF, restrição para doação de sangue por gays atenta contra liberdade e igualdade.
(HuffPost Brasil, 19/10/2017 – acesse no site de origem)
“Exigir que [“homens que fazem sexo com outros homens”] somente possam doar sangue após o espaço de tempo de 12 meses é impor também que, caso queiram fazer, se abstenham de sua própria liberdade.”
Com declarações como esta acima e sentenças enfáticas sobre direito à dignidade e à igualdade, o ministro Edson Fachin votou nesta quinta-feira (19), em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), contra a rejeição de doações de sangue de “homens que tiveram relação sexual com outros homens” durante um intervalo de tempo de um ano.
Fachin é relator de uma ação, ajuizada pelo PSB, que questiona a constitucionalidade da norma que autoriza a restrição, estabelecida pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O julgamento será retomado na próxima quarta-feira (25).
Para ele, a regra em questão afronta direitos fundamentais, como igualdade, além de atingir a “soberania e autonomia daqueles que querem doar sangue e encontram-se não por outra razão justificada pela medida, mas pela orientação sexual”. Ele acrescenta ainda que a regulamentação toca “parte essencial” e “núcleo mais íntimo do que se pode considerar a dignidade da pessoa humana”.
O ministro ressaltou que precaução e segurança são parâmetros inseparáveis para doação de sangue e devem ser assegurados, mas de uma maneira que não comprometa a autonomia de existir dessas pessoas.
“O foco deve ser a conduta possivelmente arriscada e não o gênero da pessoa com as quais as demais se relacionam.”
Ao citar entidades que pediram para fazer parte da ação com objetivo de derrubar a restrição, o ministro disparou: “Orientação sexual não contamina ninguém. O preconceito, sim”.
A manifestação da Procuradoria-Geral da República, entregue em setembro ao STF, corrobora as afirmações de Fachin. No documento, o órgão afirma que a restrição tem nítido caráter discriminatório e violador da dignidade humana, em confronto com esse conjunto de normas constitucionais.
“No caso de homens heterossexuais, basta para sua habilitação que tenham feito sexo com parceira fixa nos 12 meses anteriores à doação, ainda que sem uso de preservativos. Já em relação a homens gays e bissexuais, os dispositivos vão muito além, para exigir absoluta ausência de quaisquer relações sexuais pelo período mínimo de um ano. Qualquer relação sexual com outro homem se torna obstáculo intransponível à doação, pouco importando que tenha ocorrido com parceiro fixo e com uso de preservativo”, diz trecho do documento da PGR.
Dados sustentam a norma, diz ministério
Em sua defesa, o Ministério da Saúde tem afirmado que as normas se sustentam em dados nacionais que mostram que há maior prevalência de infecção por HIV neste grupo quando comparadas à população em geral. “Atualmente, cerca de 718 mil pessoas vivem com HIV/Aids no Brasil, indicando uma taxa de prevalência de 0,4% na população em geral. Já nas populações de maior vulnerabilidade, a taxa é de 10,5%”, informa o Ministério.
A pasta diz que atende também recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e que tais diretrizes são seguidas pela maior parte dos países da Europa e nos Estados Unidos.
Intitulado “Doação de Sangue de Homem que Faz Sexo com Homem”, um relatório emitido pela Anvisa defende a continuidade das normas e cita um estudo realizado no Brasil pela Fundação Pró-Sangue, publicado em 2008, que teve como uma das conclusões que “os doadores de sangue do sexo masculino, que mantêm ou mantiveram relação sexual com outro homem, continuam sendo o maior preditor de infecção pelo HIV”.
Amicus curiae da ação, o advogado Rafael dos Santos Kirchhoff considera que a restrição comete erro duplo. “Há uma hierarquia entre sangue e distorção não de ordem jurídica, mas da efetividade. Verificamos uma curva crescente de de contaminação heterossexual pelo vírus HIV“, disse Santos, representante do Grupo Dignidade pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros.
Grasielle Castro e Luiza Belloni