(G1, 20/07/2015) Liga do Funk faz reuniões para desconstruir preconceito de novos MCs. ‘Rebolado gay’ ainda não é totalmente permitido, diz Mulher Feijoada.
De brincos prateados, salto alto, batom rosa e cílios postiços, a Mulher Feijoada, que às vezes é Marco Aurélio, foi recebida pelo presidente da Liga do Funk, Marcelo Galático, para uma reunião no Centro de São Paulo chamada de “cadeira elétrica”. O encontro representa uma tendência dentro do ritmo: depois de ultrapassar os limites da periferia, alcançar agora o público LGBT.
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A “cadeira elétrica” ocorre todas as terças-feiras na sede de um dos maiores movimentos do funk paulista. A ideia é que os participantes da liga conversem com um MC de sucesso ou uma personalidade. Nesta semana, a Mulher Feijoada falou sobre a importância de atingir o público gay para a indústria da música. E foi aplaudida por adolescentes e jovens interessados em criar novas composições.
A Mulher Feijoada é um dos artistas que começam a ganhar espaço na cena funk de São Paulo. Ela conta que outros artistas já representaram os gays no funk, principalmente no Rio. “Teve a Lacraia, as mulheres fruta. Todos falavam dos homossexuais”, diz.
Mesmo assim, ela avalia que o funk, principalmente dentro da periferia, ainda enxerga o rebolado como exclusividade feminina. “Experimenta um gay chegar no baile rebolando? Tem tiro! Ninguém quer ver homem rebolando”, diz.
A funkeira Mulher Feijoada já tem quase 700 mil visualizações em seu canal no YouTube. Dá de ombros ao preconceito no hit “Solta a Maricona” (escute no vídeo acima), no qual ela embala “Sou a Mulher Feijoada e não quero nem saber, solta a maricona que tem dentro de você”. Ela espera seguir os passos de outros travestis que fazem sucesso com o funk gay no Rio de Janeiro, como MC Xuxu, MC Transnitta e Mulher Banana.
Conhecendo a resistência dos novos MCs em conversar com o público LGBT, a Liga do Funk – grupo que discute o ritmo e prepara novos talentos – está colocando em pauta semanalmente temáticas que possam desconstruir os preconceitos do funk contra outros grupos. “Não faz sentido nós, que também somos discriminados, não entendermos os direitos e o universo dos gays, das mulheres, do hip-hop”, disse Galático.
Bruno Ramos, um dos coordenadores da Liga, diz que, durante shows em boates LGBT, alguns MCs do funk precisam se afirmar o tempo todo. “Nos shows, eles repetem várias vezes que gostam de mulher”, conta. “Acho importante que gente como a Valesca [Popozuda] abrace o movimento e faça os novos funkeiros entenderem que não precisam se afirmar o tempo todo”, completa.
E Popozuda confirma o interesse em investir no público. “Ainda não posso dizer qual o nome, mas minha próxima música será para eles [público LGBT]”. Ao lado das atrizes da série Orange is The New Black (Netflix), que retrata a rotina de uma prisão feminina e diversas vezes aborda em seu roteiro o amor entre duas mulheres, Valesca cantou na última Parada Gay de São Paulo.
“Me sinto como madrinha deles”, disse a cantora. “Eu sou uma representante das minorias. Tá mais que na hora de a gente fazer uma homenagem a eles [público LGBT], já que boa parte das pessoas que eu convivo e eu amo são gays.”
No cenário do funk, começaram a surgir novos nomes e iniciativas direcionadas ao público. É o caso do “Bonde das Gayravilhas”, cinco jovens do Rio de Janeiro assistidos por mais de 700 mil pessoas no Youtube, e do funk proibidão gay, com artistas que apresentam letras escrachadas sobre o sexo entre pessoas do mesmo sexo. Em São Paulo, a festa Ostentation Open Bar mistura o funk ostentação com os ritmos que tradicionalmente são ligados ao público gay, como a música eletrônica.
De acordo com Galático, que além de presidente da Liga do Funk é um dos percussores do ritmo em São Paulo, o perfil do funk paulista tem mudado. “Era uma coisa que mostrava bem a sensualidade feminina. Tivemos várias derivações: o ostentação, o proibidão”, disse. “Agora estamos indo atrás de entender o que é machismo, o que interessa ao público gay. Preconceitos que foram embutidos desde o início e que acabamos passando para a música”, completa.
Valesca conta que começou a carreira sendo ovacionada pelo público masculino. “Eles me viam como uma bunda dançando no palco”, contou. “Eu fui crescendo e comecei a buscar também as mulheres, com palavras que as atingiam também. Tenho um público de crianças e eu jamais imaginei isso. Os gays sempre estiveram comigo, mesmo que em menor proporção. Hoje, nos meus shows, tenho metade do público sendo homossexual.”
Leonardo Lima, diretor nacional LGBT da União Juventude Socialista (UJS) foi convidado pela Liga do Funk para debater com a Mulher Feijoada. Ele diz que o “passinho”, movimento de dança clássico do funk, é utilizado nas escolas como uma forma de buscar respeito também entre homossexuais.
“Nessa vivência da escola, nos intervalos, rola a batalha de passinho. E o funk é um espaço de resistência. Então, esses que são gays e estão dançando o funk no intervalo da escola, estão dançando também por um sentimento de pertencimento. Através do funk eles conseguem ter mais respeito”.
A reunião sobre o funk para o público LGBT foi no dia 11. Na última terça (18), a Liga do Funk promoveu a “cadeira elétrica” com representantes também do hip-hop. “A cena do funk começou primeiro no Rio de Janeiro e, aqui em São Paulo, quem veio com força primeiro foi o rap”, contou Galático.
Rico Dalasam, rapper de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, e MC Luana Hansen, de Pirituba, Zona Oeste, são alguns dos representantes do ritmo que, como parte da sociedade, tem se interessado por representar o movimento LGBT. Além do movimento hip-hop, a Liga também irá debater o uso de drogas e o movimento feminista.
Liga do Funk de SP
Reuniões todas as terças-feiras, das 13h às 16h
Rua General Jardim, 660, Centro de São Paulo
Mais informações: www.facebook.com/ligadofunkartedogueto
Carolina Dantas
Acesse no site de origem: Funk de SP desafia preconceitos e abre espaço para atrair o público homossexual (G1, 20/09/2015)