(R7, 16/03/2015) Para a especialista, aumento de discussões sobre temas LGBT explicaria reações violentas
Em 2014, 326 pessoas morreram no Brasil em razão da homofobia, o que significa um assassinato a cada 27 horas. Os dados fazem parte do Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais no Brasil, divulgado em fevereiro pelo GGB (Grupo Gay da Bahia).
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O levantamento é feito com base em notícias veiculadas na imprensa. De acordo com o documento, o número de casos cresceu em 4,1 % na comparação com 2013.
A subnotificação impede uma radiografia fiel da realidade. O antropólogo Luiz Mott, fundador do GGB e coordenador da pesquisa, estima que todos os dias, no mínimo, um homicídio com motivação homofóbica ocorra no País, o que coloca o Brasil no topo do ranking.
— Hoje, 50% dos assassinatos de pessoas trans no mundo acontecem no Brasil.
Mott afirma que os crimes contra os LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) são marcados pela imprevisibilidade.
— A falta de um padrão sistemático, regular da intolerância e da violência é um problema. A única tendência fixa é que sempre são mais gays [vítimas]. Em segundo lugar, as travestis e, em terceiro, as lésbicas.
O antropólogo completa, enfatizando que, em termos relativos, travestis e transgêneros estão mais expostos, uma vez que essa população não chega a 1 milhão no País, enquanto a de gays está na casa dos 20 milhões, conforme organizações que atuam junto a esses segmentos. Uma das explicações para essa vulnerabilidade estaria no estilo de vida marginalizado.
— Ninguém quer empregar uma travesti. Na escola, elas são humilhadas, expulsas e a prostituição se torna meio de sobrevivência.
Dos 326 mortos registrados no levantamento de 2014, 163 eram gays, 134 travestis, 14 lésbicas.
Disque 100
Dados do Disque 100, serviço mantido pela SDH/PR (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), apontam que das denúncias de violência homofóbica recebidas no ano de 2014, em 67,10% as vítimas eram homens; 19,45%, mulheres e, em 13,45% dos registros, o sexo não foi informado.
Conforme as estatísticas do serviço, os alvos mais recorrentes são gays (20,05%), travestis (11,57%), lésbicas (9,51%) e transexuais (8,31%). A faixa etária mais vulnerável é a de 18 a 24 anos, que corresponde a 31,71% das vítimas, segundo a SDH/PR.
Violência física e psicológica
Entre as denúncias de violência física contra LGBTs recebidas pelo Disque 100, a lesão corporal foi a mais frequente, totalizando 188 registros. Maus-tratos e homicídio aparecem na sequência, com 148 e 35 casos, respectivamente.
Já quando a violência é psicológica, a humilhação está no alto da lista. Foram 659 denúncias levadas à central em 2014. Em segundo lugar, vem a hostilização (592), seguida por ameaça (349), calúnia/injúria/difamação (149) e perseguição (111).
Os tipos de violações contra LGBT mais recorrentes no ano passado foram: discriminação, com 864 registros (85,29%); violência psicológica, com 781 (77,10%) e violência física, com 284 (28,04%).
No acumulado, o número de denúncias de violência homofóbica recebidas pelo serviço foi de 1.013, 40% a menos do que em 2013 (1.695 registros).
País de contradições
Na análise do antropólogo e ativista Luiz Mott, o Brasil é permeado por contradições.
— O Brasil tem um lado cor-de-rosa: a maior parada gay do mundo, a maior e mais dinâmica associação LGBT do mundo [ABGLT], as novelas estão cada vez mais incluindo personagens gays, lésbicas e trans. Há ainda conquistas institucionais importantes, como o casamento homoafetivo, o nome social para travesti em mais de 20 entidades, universidades e até Ministério Público. Mas, ao mesmo tempo, há um lado vermelho sangue, que é representado pelos assassinatos. Diferentemente do Irã, do Sudão, onde há pena de morte contra os homossexuais, o Brasil não tem legislação punitiva, mas aqui se mata muitíssimo mais do que nos países onde há pena de morte.
Para a especialista em questões de gênero, escritora, psicanalista e professora da USP (Universidade de São Paulo) Edith Modesto, o aumento da aceitação das diferenças de orientação sexual por parte da sociedade e a maior incidência do tema nos meios de comunicação explicariam, de certa forma, as reações violentas contra a população LGBT.
— As pessoas com problema, que costumamos chamar de homofóbicas, ficam muito amedrontadas quando veem que isso está caminhando. É uma dialética. A coisa está melhorando por um lado, o respeito é maior, está havendo um movimento interno nas pessoas de aceitação, de acolhimento das diferenças. Por outro lado, aqueles que já têm o problema mais acentuado ficam apavorados e começam até a recrudescer. Então, o preconceito vira rejeição, intolerância e passa da paixão para a ação. Assassinato, agressão física, xingamento.
Na avaliação da psicanalista, apesar da sensação de que há um retrocesso, hoje o homossexual “existe” socialmente.
— O homossexual já “existe”. Mesmo que a pessoa não aceite. Antes, ele nem podia existir, não era um sujeito, tinha que viver à margem da sociedade, porque não tinha um lugar como cidadão. As coisas melhoraram um pouco. Mas pouco.
A professora da USP entende que a intervenção do Estado na questão, por meio de projetos e de leis, é fundamental para contornar o problema das agressões contra os LGBTs e para evitar que essa população fique à margem.
— Eu luto para ter uma casa de passagem para jovens, para que eles possam estudar, viver fora da família enquanto houver essa dificuldade […] Penso também que temos que ter leis que protejam as diferenças. Por exemplo, as diferenças étnico-raciais estão protegidas. As diferenças de orientação sexual e de identidade de gênero não estão. A proteção legal é fundamental. É preciso leis que protejam essas pessoas para que elas sejam respeitadas mesmo por aqueles que não são a favor das diferenças.
Luiz Mott também enfatiza a urgência na aprovação de leis para frear a violência anti-homossexual, que, segundo estatísticas do GGB, atingiu nos últimos quatro anos patamares nunca vistos – média de 310 assassinatos anuais.
— Do mesmo modo que hoje em dia todo mundo se policia para não fazer piada racista, eu tenho muita convicção de que a penalização da homofobia com multa e com prestação de serviços em Organizações Não Governamentais LGBT vai ter um impacto importante, sobretudo, com o apoio da mídia e com o governo fazendo seu papel.
Além de legislação que garanta a cidadania da população LGBT, Mott defende como medida de erradicação dos crimes homofóbicos, a educação sexual para ensinar o respeito aos direitos humanos dos homossexuais e a exigência de que a polícia e a Justiça investiguem e punam esse tipo de crime. Para ele, é importante ainda que gays, lésbicas, travestis e transexuais evitem situações de risco.
Ana Cláudia Barros
Acesse no site de origem: Homofobia motivou um assassinato a cada 27 horas em 2014 no Brasil (R7, 16/03/2015)