Aos 22 anos, Monica* precisou de um atendimento ginecológico e foi em uma situação de emergência no pronto-socorro da rede pública da capital paulista. “Eu estava com muitas dores na barriga, com enjoo e tontura. Um ginecologista me atendeu e falei já que era lésbica (várias vezes) e que não tinha chance alguma de eu estar grávida. Ele insistiu muito, chegou a ser desrespeitoso”.
(Universa/UOL, 30/01/2020 – acesse no site de origem)
Monica conta que todas as vezes que passou por um atendimento ginecológico, a experiência foi péssima. “Os médicos são despreparados para lidar com mulheres lésbicas. Na primeira consulta eu tinha 15 anos e o médico me passou anticoncepcional. No exame, senti muitas dores, foi um incômodo terrível. O aparelho podia ser menor ou apropriado”, desabafa. Ela está há muito tempo sem ir a uma consulta ginecológica pois está traumatizada.
Vida sexual ativa
E o mesmo aconteceu com a recepcionista Tatiana Silva, 26, em um dia que estava com dores na barriga. “Em todas as consultas, os médicos só perguntam se tem vida sexual ativa e se toma contraceptivo. Nesse dia foi feito exame da vulva, que consiste em avaliar as estruturas, pele e mucosas do órgão genital externo feminino, e eu sentia muita dor, pois não era algo habitual para mim. A médica me tratou com rispidez e agressividade, pedia para eu ficar quieta. Fiquei com dor o restante do dia”.
Tatiana conta que nas primeiras vezes que se consultou com ginecologista — sendo homem ou mulher, não se sentia à vontade para falar sobre sua sexualidade. “Eu tinha vergonha, medo de como o médico iria reagir. Na outra vez, pediram exame de gravidez, mas eu já tinha dito que não havia chance alguma de estar grávida. Na última consulta, comentei que era lésbica, e ele disse: metade dos problemas está resolvido. Achei que ele reagiu de forma positiva. Mas só comecei na me abrir com a maturidade mesmo”.
Sexualidade parece doença
Daniela Romanenko, 26, manicure de publicidade, conta que sempre teve problemas em consultas no ginecologista. “As perguntas eram as mesmas, mas eu não falava que era lésbica – não me sentia à vontade. Só perguntavam se eu me prevenia e se estava tomando anticoncepcional, as perguntas sempre são direcionadas para quem é hétero. Cheguei a achar que minha sexualidade era doença”.
Mas Daniela viu a diferença no atendimento quando se consultou em uma clínica particular. “A médica me perguntou se eu tinha parceiro ou parceira, nesse momento eu já senti a diferença. Fui acolhida e a conversa foi ótima, ela abriu a minha mente. Fiquei sabendo sobre camisinha feminina e outros detalhes. Fiz até ultrassom. Acho que atendimento deveria ser sobre vida sexual e não sobre parceiro sexual”.
A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo esclarece que disponibiliza informações sobre prevenção às ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) através do aconselhamento singular de acordo com a identidade de gênero e práticas sexuais de cada mulher, tanto nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) quanto nos 26 serviços da Rede Municipal Especializada (RME) em DST/Aids. Essas unidades também ofertam tecnologias diversas de prevenção, como preservativos masculino (externo) e feminino (interno), gel lubrificante e testagem.
Assunto vira livro
Quais os aparelhos são utilizados para exames ginecológicos para mulheres lésbicas? São as mesmas para todas as mulheres? E os métodos para prevenção de doenças? Essas foram as questões que fizeram a jornalista Larissa Darc, de 22 anos, escrever um livro sobre o assunto: “Vem cá: vamos conversar sobre a saúde sexual de lésbicas e
bissexuais”.
“Fiz o livro sobre o que tinha acontecido comigo e foi impactante para mim e para outras meninas. Existe um sistema que exclui mulheres que procuram assistência médica”, desabafa. Após várias pesquisas e entrevistas com especialistas, Larissa concluiu que mulheres lésbicas e bissexuais não recebem atendimento adequado porque elas não têm acesso a dispositivos para proteção. Existe um sistema que historicamente negligenciou a saúde das mulheres e um sistema heteronormartivo e invalida todas as relações que não são hetero”.
Para esclarecer
A Secretaria Municipal de Saúde informa que os métodos de barreiras tradicionais às ISTs também devem ser utilizados por mulheres que fazem sexo com outras mulheres. São sugeridas adaptações nas camisinhas externas e internas para proteção no contato com a vulva, e a utilização do preservativo também nos acessórios usados durante a relação sexual, trocando no caso de compartilhamento entre as parceiras. É importante ressaltar que o contato com o sangue da menstruação oferece grandes riscos de infecção pelo HIV e hepatites.
Após pesquisas para produção do livro, Larissa questiona a posição da Secretaria. “Esse discurso que existem métodos de barreiras de doenças – feito para mulheres que fazem sexo com mulheres -, onde orientam para recortar a camisinha, etc.. essas adaptações e “gambiarras” não são eficazes, não tem estudos que comprovem isso, pois não cobrem a vulva toda. São desconfortáveis”.
Larissa acrescenta ainda que quando médicos e médicas informam que existem essas adaptações há um grande problema. “Estamos silenciando algo que está errado, pois precisam ter estudos e são focados nos métodos heteronormativos e são feitos para mulheres que fazem sexo com mulheres”, afirma.
Após a publicação do livro, Larissa conta a repercussão sobre o tema. “Comecei a ser chamada para falar nos lugares em diferentes espaços para promover conversas sobre o tema. Trocar informação é uma coisa tão importante porque na escola a gente só recebe a informação da relação que é heteronomativa, só aprende sobre sexto hétero, e depois a gente não tem mais espaço para conversar sobre isso”.
A Secretaria informa ainda que as mulheres lésbicas e bissexuais devem realizar, regularmente, o exame de Papanicolau. E que os aparelhos utilizados nos exames ginecológicos e proctológicos pela rede são os mesmos para todas as mulheres. As UBSs e as RME DST/Aids realizam ainda exames para HIV, sífilis e hepatites B e C. A SMS possui um Comitê Municipal LGBTI (portaria nº 499/2019), que tem por objetivo implementar a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais nas unidades de saúde.
E em relação ao exame Papanicolau, existem tamanhos diferentes de espéculos e em todos os postos de saúde deveriam oferecer. “Esses exames devem ser feitos por mulheres que nunca tiveram relação sexual e precisam fazer preventivo e mulheres que fazem relação com a penetração de um pênis também. E em relação ao HIV a troca de sangue aumenta o risco realmente, mas existem outras doenças tão importantes quanto, estamos expostas a diversas infecções”.
Com relação às pesquisas sobre o tema, a SMS disponibilizou pesquisa sobre sexo seguro relacionadas à saúde da mulher lésbica ou bissexual:
Uso de preservativo em todas as relações com homens – 45,5%;
Uso de preservativo em todas as relações com mulheres – 2,1%;
Motivo do não uso do preservativo:
não viu necessidade (42,4%)
confiança na parceira (17,3%)
desconhecimento (16,5%)
Cuidados com a Saúde:
46,9% realizam consulta ginecológica anualmente;
53,1% não realizam consulta ginecológica anualmente;
62,8% realizaram teste anti-HIV
Por Priscila Gomes
Colaboração para Universa