O que pensam os homossexuais que apoiam Bolsonaro e rechaçam Jean Wyllys

08 de junho, 2016

(BBC Brasil, 08/06/2016) “Esse vídeo vai ser sobre uma pessoa ilustre, sobre uma grande figura. É um deputado federal chamado Jair Messias Bolsonaro.”

De costas para um armário de madeira e usando um fone de ouvido como microfone, o arquiteto Clóvis Smith Hays Júnior, de 28 anos, grava em sua casa em São Paulo mais um dos vídeos que costuma compartilhar com seus 34 mil seguidores no Facebook, onde ele se apresenta como um “gay de direta”.

Smith Hays

Smith Hays tem 34 mil seguidores no Facebook, onde se apresenta como um ‘gay de direita’ (Foto: Arquivo Pessoal)

“Não tem como eu votar em Jair Messias Bolsonaro. Sabe por quê? Porque eu não sou do Rio de Janeiro (Risos). Se eu fosse do Rio de Janeiro, pode ter certeza que o meu voto seria dele. Nossa, mas como assim, você é um gay e você vai votar no Jair Messias Bolsonaro? Pois é, pois escute bem.”

Em sua página na rede social, Smith Hays, como é conhecido, publica mensagens contra a chamada agenda LGBT, o “kit gay” e as “feminazis” e elogia Trump e o capitalismo.

Ele é um dos representantes de um grupo que tem crescido na internet: o de homossexuais que, contrariando o senso comum, se identificam mais com Bolsonaro (PSC-RJ) do que com o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), o único político declaradamente gay no Congresso Nacional.

Uma busca no Facebook revela dezenas de páginas com os termos “gay de direita” ou “gays por Bolsonaro”, onde conteúdos semelhantes ao de Hays são veiculados.

Seus administradores dizem que boa parte delas foi criada após as eleições de 2014, em meio à polarização política vivida no país e em contraposição ao que consideram uma predominância de “pensamentos de esquerda” no movimento LGBT.

Post

Hays faz críticas aos militantes LGBT em sua página (Foto: Reprodução)

Estimulado por uma eleição, esse grupo anseia por outra, a corrida presidencial de 2018. Muitos defendem Bolsonaro como um forte candidato.

“Apoiaria Bolsonaro para 2016 se fosse possível. É preciso fazer uma reviravolta nesse país. Não acho que se escolhe um presidente porque se gosta ou não da sexualidade alheia, mas porque ele é bom ou não”, diz Junior Oliveira, de 31 anos, membro de uma destas comunidades no Facebook.

Os motivos que o levam a exaltar o deputado se repetem nas falas de outros de seus apoiadores na comunidade gay ouvidos pela BBC Brasil. As opiniões de Bolsonaro sobre o porte de armas e a pena de morte estão entre algumas das razões mais citadas.

“Defendo a castração química em caso de estupro e o porte de armas. Pena de morte… por que não? Por que uma pessoa não pode fazer um crime brutal e pagar com a própria vida? Temos leis muito brandas nesse país”, diz Junior.

Declarações polêmicas

Comunidade 'Gays de direitta, gay direito'

Há várias comunidades de ‘gays de direita’ no Facebook (Foto: Reprodução)

As declarações polêmicas do deputado sobre homossexuais não parecem afetar esta admiração. Em entrevistas de 2014, Bolsonaro chegou a dizer que os gays eram “fruto do consumo de drogas” e que “ter filho gay é falta de porrada”.

Mas, para quem participa destas comunidades na internet, esse assunto é coisa do passado. Eles dizem que Bolsonaro teria revisto suas posições.

“Ele já se retratou. Pensava que gays eram todos do mesmo tipo, mas viu que há gays casados, que pagam impostos e têm um relacionamento sem afrontar a sociedade”, diz o artista plástico Leonardo Estellita, de 32 anos, coordenador do Movimento Brasil Livre na Região dos Lagos, no norte do Estado do Rio.

“Não vejo como contradição apoiá-lo. Bolsonaro prega o respeito à diferença. Mas ele ainda precisa ser lapidado, como aconteceu com o Lula ao longo de quatro eleições.”

No entanto, em cena da série documental Gaycation, do canal Viceland, divulgada neste ano, o deputado disse que a homossexualidade é “comportamental” e voltou a relacionar esta orientação sexual ao consumo de drogas.

“Com o passar do tempo, com as liberalidades, as drogas e as mulheres trabalhando, aumentou bastante o número de homossexuais”, afirmou à atriz americana Ellen Page.

Post

Comunidades publicam com frequência posts em apoio a Bolsonaro e com críticas a Wyllys (Foto: Reprodução)

“Talvez ele tenha errado em algumas afirmações porque confundia ativismo com gays”, diz Hays. O arquiteto tem fotos com o deputado federal e seu filho Eduardo, também membro da Câmara, e já participou de um programa de televisão ao lado do parlamentar.

Ele diz que o político é “uma pessoa muito dócil, amiga” e o representa melhor do que Jean Wyllys, conhecido por atuar em defesa dos direitos LGBT.

A BBC Brasil procurou as assessorias de Bolsonaro e Wyllys, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

‘Discurso contraditório’

As críticas ao deputado do PSOL são frequentes e recaem sobre sua forma de defender as bandeiras LGBT, que os integrantes desse grupo consideram agressivas e exageradas.

“É inaceitável que as pessoas se orgulhem de um homossexual vestindo uma camisa de Che Guevara. Como a gente pode elogiar um cara que detestava homossexuais? Partidos de esquerda apoiam a Rússia e a Coreia do Norte, que perseguem homossexuais. É um discurso contraditório”, diz Estellita.

Uma das mulheres mais proeminentes desse grupo majoritariamente masculino é Karol Eller, de 29 anos, que também diz repudiar as atitudes de Wyllys.

“Ele não representa a classe e nunca me representou. Uma das ações mais feias foi quando cuspiu num parlamentar. Quer chamar a atenção dos homossexuais.”

Leonardo Estellita

Leonardo Estellita considera o discurso de políticos de esquerda ‘contraditório’ (Foto: Arquivo Pessoal)

Com quase 250 mil seguidores em sua página no Facebook, Eller conheceu Bolsonaro em maio, quando ficou uma semana em Brasília acompanhando a rotina do deputado: “Só não fui ao banheiro com ele”.

Funcionária de uma empresa de viagens e promotora de eventos, ela diz que ganhou a passagem do trabalho e fez a visita a pedido de seus seguidores – boa parte deles é heterossexual, afirma.

Militância

A rejeição a Jean Wyllys como representante por parte destas pessoas se estende também ao movimento LGBT como um todo. A militância é descrita por eles como “intolerante” e “promíscua”. Quem não quer participar do grupo é segregado, dizem.

“Quem na verdade está fazendo o discurso de ódio é essa minoria dentro do movimento. Apontam o dedo para gays que lidam com a situação de outra maneira. Se você não levanta bandeiras, não vai ser um deles”, diz Eller.

Lucas Lopes, criador da comunidade Gay de Direita, Gay Direito, que tem 2 mil membros no Facebook, menciona a “falta de foco” dos ativistas.

“Lutas LGBTs talvez algum dia serviram para alguma coisa, mas hoje não tem necessidade disso. Uma parada gay hoje só tem promiscuidade, são pessoas se beijando no meio da rua, fazendo sexo.”

Dono do blog Minha Vida Gay, que soma um milhão de acessos desde a sua criação, em 2014, o empresário Flávio Yuki diz que seus leitores reclamam da “pressão dos gays de esquerda”.

“Já ouvi no blog que os gays de esquerda estão muito chatos, muito radicais, e as pessoas começam a gostar do Bolsonaro.”

Para Adla Teixeira, professora da faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora sobre gênero e sexualidade, esse autoritarismo existe de fato. Ela explica que hoje há um radicalismo nos grupos militantes assim como nos religiosos.

“Tem um pouco de raiva desse excesso de oposição (feito pela militância). Esses gays são pessoas discretas, que têm o direito de não se envolver numa militância. Há dificuldade de aceitar que o outro pode não querer entrar (na luta).”

Já Richard Miskolci, professor de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e pesquisador do Núcleo de pesquisa em Diferenças, Gênero e Sexualidade, não vê autoritarismo no movimento LGBT.

“Usar esse adjetivo é uma estratégia da direita de atribuir a seus inimigos suas piores características. Como um político vinculado à ditadura militar e que defende torturadores pode considerar ‘autoritário’ um defensor dos direitos humanos? Como movimentos nascidos da democratização poderiam ser autoritários?”

Direitos iguais?

Mais do que questionar a atuação do movimento LGBT, os “gays de direita” põem em xeque a necessidade de uma legislação voltada para os homossexuais.

Karol Eller

Karol Eller passou uma semana acompanhando a rotina de Bolsonaro (Foto: Arquivo Pessoal)

A maioria dos entrevistados é contra a lei que criminaliza a homofobia – um projeto sobre o assunto foi arquivado pelo Senado em 2015 – e acha que a decisão do STF sobre o casamento homossexual já é suficiente. Para eles, criar leis específicas seria uma nova forma de segregação.

“Já temos direitos iguais nessa matéria de união civil. Perante o Estado é igual. Não posso obrigar que uma igreja faça um casamento. Não tem mais necessidade, morreu em 2013”, diz Hays.

Sobre a lei que criminaliza a homofobia, ele diz que agressões contra qualquer pessoa já são punidas. “Interessa que o agressor seja punido, não interessa a situação, se é gay ou mulher.”

Além disso, parte dos que se identificam com posicionamentos mais conservadores têm restrições à adoção de crianças por casais homossexuais.

Alguns até consideram que uma família formada por dois homens ou duas mulheres têm mais chances de afetar sua orientação sexual.

“Há pessoas que não têm condições de adotar, porque vão fazer com que as crianças cresçam sexualizadas, sejam abusadas sexualmente. A gente vê casos assim”, diz Junior Oliveira, frequentador destas comunidades.

Ter acesso a uma legislação específica não é um privilégio, pondera José Reinaldo Lopes, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), mas uma concessão de recursos a quem em situações normais não consegue exercer seus direitos.

Ele cita o caso dos transexuais, que têm mais dificuldade de alterar seu nome em comparação com outras pessoas, segundo uma pesquisa feita pela universidade. Um caso assim demanda uma lei que conceda direitos explícitos a esse público.

“A lei vem para compensar um preconceito que vem da sociedade. Hoje, não temos uma situação de igualdade. O importante é que haja condições para que todos exerçam direitos considerados universais. E várias leis fazem isso”, diz Lopes.

Smith Hays com Bolsonaro, que já encontrou algumas vezes e diz ser uma

Smith Hays com Bolsonaro, que já encontrou algumas vezes e diz ser uma “pessoa dócil e amiga” (Foto: Reprodução)

‘Momento conservador’

Gays defendendo posições conservadoras quanto ao avanço de direitos LGBT é algo que pode causar estranhamento em algumas pessoas.

No entanto, especialistas ouvidos pela reportagem explicam que, apesar de ser algo novo no Brasil, isso já ocorre em outros países, com “os republicanos gays nos Estados Unidos e, em certa medida, também na Europa”, segundo Lopes.

“A orientação sexual não determina ideologia política”, diz o professor da USP.

A afirmação pode parecer óbvia em outros lugares, mas não no Brasil, onde se costuma relacionar a militância LGBT com posições de esquerda.

Segundo a professora Vera Lucia Marques da Silva, pesquisadora do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os partidos de esquerda – e especialmente o PT – abraçaram a causa LGBT.

Até 2007, todos os discursos a favor de direitos de homossexuais feitos na Câmara vieram de parlamentares de esquerda, “principalmente os petistas”, de acordo com uma análise feita por ela.

Portanto, o que causa surpresa não é exatamente a adoção de um discurso de direita, mas a aproximação de figuras como Bolsonaro.

Marques atribui essa tendência ao “momento conservador” pelo qual o país passa. Por sua vez, Miskolci menciona a escalada de “discursos fundamentalistas religiosos” desde as eleições de 2010.

Ele ainda avalia que certos segmentos do público LGBT podem se identificar com a pauta mais conservadora para se distanciar de estigmas.

“O desejo de parecer ‘bom cidadão’ e se dissociar dos que sofrem preconceito gera uma despolitização desses sujeitos, os quais preferem uma pauta moral a uma política.”

‘Uma pessoa qualquer’

Menções sobre normalidade e a necessidade de manter sua vida sexual entre quatro paredes, longe dos olhos do público, são recorrentes entre os membros desse grupo. É justamente por tratá-lo como “uma pessoa qualquer” que Hays, por exemplo, diz apreciar Bolsonaro.

“De gays, a gente quase não fala. Ele me trata como um ser humano, como qualquer pessoa. Se eu pisar na bola com ele, vai me tratar mal. Assim como tem que ser em qualquer relação.”

A relação do arquiteto e o deputado é ilustrada por selfies que Clóvis posta em seu Facebook. Em uma delas está em um carro entre Jair e Eduardo Bolsonaro e os três sorriem.

Com mais de 4 mil curtidas, a imagem traz a legenda: “Homofobia total rolando por aqui (risos)”.

Ingrid Fagundez e Rafael Barifouse

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