Pesquisadoras explicam que ciclo de exclusões e marginalizações vivenciado por pessoas trans desde a infância as deixa mais vulneráveis à violência, que é impulsionada por discursos fundamentalistas e pelo descaso do poder público
(O Globo | 20/07/2021 | Por Leda Antunes)
Roberta da Silva morreu no dia 9 de julho, aos 32 anos. Ela era uma mulher trans e vivia em situação de rua em Recife (PE). Roberta foi queimada viva por um adolescente, que despejou álcool e ateou fogo em seu corpo enquanto ela dormia perto de um terminal de ônibus na região central da cidade. Ela ficou internada por duas semanas, chegou a ter os braços amputados, mas não resistiu.
Sua morte se somou a outros três assassinatos de mulheres trans ocorridos em Pernambuco no intervalo de um mês. As histórias destas mulheres foram interrompidas de forma violenta — assim como a de Dandara dos Santos, travesti espancada, torturada e morta a tiros no Ceará em 2017 — e suas mortes fazem parte de um padrão de assassinatos de pessoas trans, caracterizados por práticas de tortura e requintes de crueldade.
A violência que chocou há quatro anos, quando Dandara foi morta, continuou se repetindo e só em 2020 tirou a vida de 175 mulheres trans e travestis no Brasil. Mas os crimes contra a população trans não são monitorados ou divulgados por órgãos governamentais de segurança pública de maneira consistente. Na 15ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, oito das 27 unidades federativas não informaram quantos LGBTQIAP+foram mortos em seu território em 2020.
As organizações do movimento LGBTQIAP+ tentam preencher esse vácuo. Há quatro anos, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) contabiliza as mortes de pessoas trans a partir do que a imprensa noticia e do que é notificado pelas redes de contatos de ativistas espalhados pelo Brasil. De 2017 a 2020, ao menos 641 pessoas trans foram mortas.
O perfil das vítimas segue parecido: quase a totalidade das mortes noticiadas é de mulheres trans e travestis, a maior parte dos crimes é cometida em espaços públicos, e muitas das vítimas são trabalhadoras do sexo, em situação precária.