(UOL, 24/03/2016) “O maior prazer mundano é o sexo. Não tem nada melhor do que ter um orgasmo. E eu não vivo na castidade, pois, apesar de escolher ser padre, continuo humano e tenho minhas necessidades sexuais”, afirma padre Beto, excomungado pela Igreja Católica, em novembro de 2014. A transparência e a franqueza a respeito de assuntos considerados tabus pela instituição, como a homossexualidade, fizeram a Santa Sé destituí-lo de sua função sacerdotal.
Para “explicar” sua saída da entidade cristã, Roberto Francisco Daniel coloca toda a responsabilidade em sua esperança de que houvesse mudanças no discurso católico, principalmente no que diz respeito aos assuntos ligados ao sexo. “A Igreja enxerga a sexualidade como algo negativo, que nascemos do pecado, e prega que o sexo só deve ser feito com finalidade de reproduzir a espécie. Não poder transar antes do casamento não faz sentido, uma vez que você só conhece uma pessoa na sua intimidade. Qual é o problema disso? E aí entram outras questões tão absurdas quanto, como a proibição do uso de métodos contraceptivos. A Igreja só aceita quem não vive plenamente sua sexualidade”, declara.
Desde então, ele decidiu continuar usando o título de padre e fundou sua própria religião, a Humanidade Livre, em Bauru, no interior de São Paulo. Em janeiro de 2015, padre Beto celebrou a primeira missa da nova comunidade. “Acreditamos em Jesus Cristo, rezamos apenas com o Evangelho e deixamos para trás assuntos como a vida após a morte e preceitos morais impostos pela Igreja.”
E não são só as palavras de Cristo que ainda permanecem nas celebrações semanais no local, um galpão simples. Os fiéis também têm oportunidade de comungar. “Enxugamos a celebração eucarística, mas mantivemos sua base”, conta sobre as referências que trouxe da entidade religiosa cristã. Na igreja ainda há um local especial para o Santíssimo Sacramento –ou a Eucaristia– e crucifixos com o corpo de Jesus estão por todos os lados.
A trilha sonora que embala as missas da Humanidade Livre passa longe do que se espera para uma celebração religiosa. “Tocamos Titãs, Legião Urbana, Clube da Esquina, Chico Buarque, Lenine, entre outros nomes da música brasileira. E, a cada domingo, um grupo diferente toca. Na maioria das vezes, a banda é formada pelo pessoal que trabalha em bares aqui da cidade”, fala.
O mais revigorante, segundo ele, é poder estar perto de todas as pessoas, independentemente da raça, sexualidade e crenças. “Em média, recebemos 120 pessoas por domingo. Entre elas, temos casais hétero e homossexuais, solteiros, divorciados, jovens, travestis –embora elas ainda tenham receio de estar em um ambiente religioso– e também idosos”, conta. “Conseguimos acolher todos que a Igreja, de certa forma, não aceita.”
Prova disso, são as celebrações de casamento que ele já comandou desde que saiu da Igreja Católica. “Faço casamentos fora da Igreja –coisa que poucos padres aceitam ou podem fazer. Já celebrei a união de casais gays e de pessoas divorciadas também. A união deve ser celebrada como cada casal sonhou, tem de ter a identidade deles. E eu, como sacerdote, vou para assistir a concretização desse amor e conduzir a cerimônia”, fala.
Para padre Beto, o motivo de conseguir ter quórum, além de estar aberto a qualquer credo, é que todos precisam de um lugar como refúgio. “A Humanidade Livre existe para acolher e para que as pessoas saiam da igreja fortalecidas. Não queremos padronizar o comportamento de ninguém e não pregamos a moralidade. É um lugar de reflexão, mas que também estimula a responsabilidade diante dos momentos difíceis.”
O religioso esclarece que segue fazendo rituais da Igreja Católica porque a excomunhão é “apenas” um banimento e ele permanece sendo um sacerdote. “Sou um padre maldito para a Igreja e estou condenado ao inferno. Independentemente disso, criei minha própria religião e exerço minha vocação.”
Thais Carvalho Diniz
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