(O Globo, 15/12/2014) No debate sobre o acesso do brasileiro à documentação, travestis e transexuais enfrentam um problema a mais: o preconceito. Por lei, qualquer alteração nas informações principais da identificação civil só pode ocorrer com autorização judicial, e a mudança do prenome e do sexo está incluída nisso. Especialistas discutem hoje modos para facilitar a alteração do documento em caso de mudança da identidade de gênero.
Para conseguir mudar de nome na identidade, deixar de ser Sharles Silva Rosa e se tornar Sharlene, a coordenadora do Centro LGBT da Baixada Fluminense, órgão ligado à Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do governo do Rio, demorou um ano até conseguir uma ordem judicial – embora desde os 15 anos ela já conviva com formas femininas. Não fez cirurgia de mudança de sexo e diz que não sabe se fará.
— Eu me sinto e me comporto como uma mulher. No meu caso, que sou uma ativista, creio que foi até rápido. Mas tem gente que espera anos — conta Sharlene.
Projeto de lei do deputado federal Jean Wyllis (PSOL-RJ) em tramitação na Câmara dos Deputados facilita a alteração de nome e sexo de travestis e transexuais. Pelo projeto, a alteração de nome não exigiria realização de cirurgia de mudança de sexo, terapia hormonal ou autorização judicial. Seria feita por vontade do cidadão, desde que fosse maior de 18 anos e apresentasse a demanda ao cartório. E nada constaria do novo documento sobre a identidade sexual antiga, a não ser se fosse essa a vontade da pessoa.
A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) informa que, sem mudança na lei, os cartórios ficam impedidos de fazer a modificação do nome atendendo apenas à solicitação do cidadão. O secretário-geral da Anoreg-Brasil, Mario Camargo, diz que, pela lei atual, elementos fundamentais da identificação, como nome e sexo, só podem ser alterados com autorização judicial.
— É um debate que precisa passar pelo Congresso — afirma.
O Programa Rio Sem Homofobia, ligado ao governo do Rio, oferece assistência jurídica e psicológica a travestis e transexuais que queiram mudar de nome. O serviço do Disque Cidadania LGBT (0800 0234567) funciona 24 horas por dia, atendendo desde pessoas que querem informações sobre mudança de nome até vítimas de preconceito e violência em busca de ajuda.
Para Cláudio Nascimento, superintendente de Direitos Individuais e Coletivos da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do estado, é preciso garantir o direito a quem precisa dele, e às vezes políticas públicas universais não dão conta de demandas específicas de grupos. No Rio, um decreto estadual de 2011 já garante que travestis e transexuais tenham o direito de usar o “nome social” em todo o serviço público, seja o travesti funcionário público ou usuário do serviço. Na fila de um posto de saúde, por exemplo, ele é chamado pelo nome social — embora o nome de registro conste também do protocolo de atendimento.
— Já foi um avanço, mas precisamos de uma resposta do Congresso a esse problema. Temos hoje pelo país várias decisões judiciais e administrativas importantes para garantir os direitos da população LGBT, mas entendemos que o Congresso tem se mantido negligente e omisso sobre essa questão — cobra Nascimento.
Fernanda da Escóssia
Acesse o PDF: População LGBT enfrenta preconceito para mudar nome na identidade (O Globo, 15/12/2014)