(Correio Braziliense, 04/12/2014) Mais de um quarto dos garotos de 16 a 24 anos consideram que mulher de decote e saia curta está se oferecendo. Para mais de 40%, elas devem ficar com poucos homens e não podem sair sem a companhia dos parceiros
Os comportamentos machistas são reproduzidos mesmo entre a faixa etária que seria considerada mais liberal: a dos jovens. Mas, muitas vezes, eles não enxergam essa característica nas atitudes que tomam ou na submissão produzidas por esses atos, no caso das meninas. Apesar de apenas 8% das garotas entre 16 e 24 anos afirmarem espontaneamente que sofreram algum tipo de violência relacionada ao machismo, 66% delas admitem que viveram situações desse tipo quando questionadas com exemplos. Ao mesmo tempo, 4% dos garotos admitem já ter praticado alguma agressão. Quando as ações são citadas, o número sobe para 55%.
Mesmo nesse cenário de não percepção do problema, 96% dos ouvidos se dizem a favor da Lei Maria da Penha. A existência do machismo no país também é praticamente unânime, com 96% de respostas afirmativas, ainda que boa parte pratique atitudes com esse viés sem, muitas vezes, ter clareza disso. O ciúmes em excesso, a submissão e a necessidade de controlar o parceiro, inclusive sobre o que vestir ou postar nas redes sociais, são recorrentes em relacionamentos entre jovens. Os dados foram levantados pelo Instituto Avon e pelo Data Popular, a partir de entrevistas com 2.046 jovens de 16 a 24 anos, das cinco regiões do país, durante o mês de novembro.
Pesquisadores, especialistas e governo consideraram os resultados do levantamento preocupante e defendem a inclusão da temática na educação formal como solução. Para a diretora de Pesquisa do Data Popular, Maíra Saruê, a questão pode ser comparada ao racismo. “Ninguém admite que pratica. Todo mundo fala que existe, mas também reproduz sem se dar conta. Homem que puxa mulher na balada para dar um beijo está agredindo. É algo que eles reproduzem sem ter consciência que se trata de uma violência”, afirma. Das jovens que responderam à pesquisa, 78% afirmam terem sido assediadas de alguma forma em público.
As ações listadas incluem receber cantadas violentas ou ofensivas, ser beijada à força, ser assediada em festas ou no transporte público ou algum homem tentar se aproveitar dela quando está alcoolizada. Na visão de um quarto dos jovens, uma “mulher que usa decote e saia curta está se oferecendo para os homens”. Para 41% dos entrevistados, elas também devem ficar com poucos homens e, para 48% deles, as meninas não podem sair sem a companhia dos parceiros. “Esses resultados são chocantes. É uma visão machista que acaba levando inclusive à violência doméstica”, analisa a diretora do Data Popular.
Identificar a violência é o primeiro passo, na avaliação de Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão, uma organização sem fins lucrativos que atua na área do direito das mulheres. “A pesquisa deixa muito claro que os jovens têm dificuldade em entender o que é violência. Essa falta de percepção permite a perpetuação dos atos de agressão e da desigualdade de gênero. Mostra como tudo isso é naturalizado na sociedade”, avalia. “Faz parte do nosso senso comum que as novas gerações são transformadoras. Mas elas jamais serão se não houver educação que transforme mentalidades e comportamentos.”
Jacira defende a importância do combate às atitudes mencionadas na pesquisa, por mais que pareçam pequenas aos olhos dos jovens. “Estamos falando de uma cultura de violência contra as mulheres. Mais adiante, nos casamentos e na vida familiar, pode ter como consequência agressões mais graves, ameaças”, sugere. Com base no levantamento, a secretária de Enfrentamento à Violência da Secretaria de Políticas para as mulheres da Presidência da República, Aparecida Gonçalves, levantou a mesma questão. Para ela, o processo natural é o agravamento das agressões. “Se analisarmos com profundidade, os dados reproduzem os dados gerais de Violência Contra a mulher, como a pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)”, compara.
Todos os números do Data Popular estão intimamente ligados, na opinião de Aparecida, aos sentimentos de posse, de dominação, enraizados na nova geração. Reverter esse quadro só será possível aumentando a comunicação com esse público, avalia. “Precisamos falar diretamente com os jovens, fazer campanhas que explicitem o que é violência. Com a pesquisa em mãos, vou falar com a ministra para traçarmos as estratégias de enfrentamento”, garante a secretária. “O processo de controle termina em violência física. Não pode ser naturalizado.”
Controle virtual
A pesquisa mostra ainda que, como os relacionamentos também se dão em meio virtual, a violência e o controle do homem sobre a mulher se repete nessa interface. Olhar e-mails e perfis da namorada nas redes sociais é prática comum para 25% dos entrevistados. Dar as senhas das redes é obrigatório em vários casos, bem como forçar a parceira a excluir fotos e amigos é visto como normal. “Existe uma transposição do que observamos no dia a dia para a internet. Ciúmes nada mais são que controle, mas é confundido em uma relação afetiva com outros sentimentos. Na internet, o controle vem em outra roupagem, mas não deixa de ser dominação”, avalia Jacira Melo, do Instituto Patrícia Galvão.
Para ela, os números sobre compartilhamento de imagens de mulheres nuas sem autorização prévia da retratada chamam a atenção. “Existe um gap entre pais, professores e essa geração, que acaba ficando solta e sem parâmetros nas redes sociais”, diz. A diretora de Pesquisa do Data Popular, Maíra Saruê, concorda. “Repassar imagens de desconhecidas é perpetuar uma violência contra aquela mulher”, afirma. Para ela, a atitude também revela uma forma de tornar a mulher um objeto.
“Todo mundo fala que existe, mas também reproduz sem se dar conta. Homem que puxa mulher na balada para dar um beijo está agredindo. É algo que eles reproduzem sem ter consciência que se trata de uma violência”.
Ana Pompeu