Mais de 600 meninas morrem vítimas de violência de gênero na América Latina

01 de fevereiro, 2019

Casos sobre feminicídio infantil nos últimos seis anos provocaram comoção e manifestações em sete países

(O Globo, 01/02/2019 – acesse no site de origem)

RIO — Nos últimos seis anos, 614 meninas e adolescentes de sete países da América Latina foram mortas por serem do gênero feminino. Sete jornais latino-americanos, membros do Grupo de Diarios América (GDA), uniram forças para buscar dados e registros de feminicídio infantil, um fenômeno crescente que ainda não possui estatísticas parametrizadas ou atualizadas.

Os crimes foram registrados em El Salvador (157), na Argentina (140), no Brasil (66), no Peru (79), em Costa Rica (19), no México (89) e na Colômbia (64). O que se pode dizer é que a maioria das meninas mortas foram encontradas dentro de suas próprias casas. No entanto, quase todos os locais frequentados por crianças foram registrados como cena do crime: escola, parque, hospital, rua, loja e transporte público foram alguns deles.

Os assassinos — ou suspeitos, pois a maioria dos casos ainda não obteve sentença — não possuem perfil único. Frequentemente eram os próprios pais, mas há padrastos, tios, namorados, ex-namorados, irmãos, primos, outros parentes, vizinhos, amigos, conhecidos, estranhos. Qualquer um.

Os dados também confirmam que a impunidade vai além da misoginia mortal contra menores. Ela envolve toda a violência de gênero estrutural na América Latina.
Algumas dessas violências — para além do feminicídio infantil, também foram levantadas estatísticas de abuso sexual e estupro — possuíam agravantes. Ou por terem sido cometidas com o objetivo de gerar medo na comunidade, por terem contaminado a menina com uma doença sexualmente transmissível, por gerar gravidez, porque o violador cometeu o mesmo crime com mais vítimas, ou porque o agressor tinha uma posição de poder frente à vítima.

* O GDA é formado por 11 dos principais jornais da América Latina, entre eles O GLOBO

Carla, 4 anos
Bogotá, Colômbia
Carla, de quatro anos, gostava de fazer balé, pintar depois do colégio e montar quebra-cabeças. Mas isso mudou inesperadamente. “Ela deixou a dança, já não gostava de pintar, se afastou de tudo. Também chorava todo o tempo e tinha insônia.” Assim descreve sua mãe, Melissa, que se lembra daquele 23 de novembro de 2018 como “o dia em que tudo começou”. Foi quando ela soube de indícios de que a menina estava sendo abusada por um professor. (Julián David Ramírez Castro/“El Tiempo”/Colômbia)

Kelly, 10 anos
Supe, Peru
Kelly cursava o quarto ano do ensino fundamental. Depois das aulas, preparava doces e os comercializava na vizinhança. Em 10 de novembro de 2018, saiu para vender gelatinas e nunca mais voltou. Dois dias depois, seu corpo foi encontrado em um descampado. A necropsia confirmou sinais de violação sexual, espancamento e estrangulamento. O violador era Julio Giraldo, 21 anos, que confessou o crime e contou ter um cúmplice de 17 anos, que também está cumprindo pena. (Cristina Fernández/“El Comercio”/Peru)

Fátima, 12 anos
Estado do México, México
Fátima voltava da escola, eram 14h. Foi sequestrada por três vizinhos, a 12 metros da porta de casa. A autópsia de seu corpo era a prova do ódio e da misoginia sofridos ao longo de 60 minutos. Eles fizeram cortes de 10 centímetros no rosto, no pescoço e na virilha. No peito, a ferida tinha 30 centímetros. A menina foi estuprada e esfaqueada 90 vezes. “A trataram como lixo”, chora a mãe, Lorena. Quase quatro anos depois, dois dos três acusados cumprem pena, e um deles será solto no ano que vem. (Daniela Guazo e Montserrat Peralta/“El Universal”/México)

Brittany Hadaí, 6 anos
Ahuachapán, El Salvador
Brittany Hadaí Palacios foi uma das mais jovens vítimas de feminicídio em seu país, em 2018. Na tarde de 20 de novembro, a menina voltava com seu padrasto do mercado. Estavam andando na calçada, na porta de casa, quando dois homens em uma motocicleta atiraram neles. A garota foi baleada na cabeça e morreu instantaneamente. O padrasto de Brittany sobreviveu ao ataque, mas nem ele nem a mãe da menina voltaram para aquela casa. Eles saíram de El Salvador por medo. (Jessica Ávalos/“La Prensa Gráfica”/El Salvador)

Fiorella Venegas, 16 anos
Costa Rica
Um homem de sobrenome Madrigal ligou para a família de Fiorella, se apresentou como namorado da jovem e disse que ela havia se matado. A jovem foi encontrada caída no chão da calçada em frente à casa de Madrigal. No entanto, a autópsia preliminar determinou que a cena não foi um suicídio. Pelo contrário, tudo indicava que Madrigal — que hoje cumpre pena — atirou na garota dentro da casa, depois a levou para a calçada e disse que ela havia tentado cometer suicídio. (Patricia Recio e Gustavo Arias/“La Nación”/Costa Rica)

Chiara Páez, 14 anos
Rufino, Argentina
Chiara jogava hóquei e fazia serviço social com pessoas com deficiência em sua pequena cidade, de 18 mil habitantes, na província de Santa Fé. Estava grávida de seu namorado, Manuel Mansilla, 16 anos, quando ele a matou e a enterrou ao lado de sua casa, em março de 2015. Demorou dois dias até seu corpo ser descoberto. O crime provocou comoção nacional, desencadeando a primeira marcha “Nenhuma a menos”. Mansilla foi condenado a 21 anos de prisão. (Struminger de Brenda/“La Nación”/Argentina)

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