A major Claudia Nunes entrou na polícia militar do Rio de Janeiro no fim da década de 90. Antes disso, estudou Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
(Universa, 13/02/2019 – acesse no site de origem)
Na família dela, não há avós ou pais policiais, como é comum aos colegas sob a farda azul da corporação. Cláudia é filha de um pedreiro com uma diarista. Inscreveu-se no vestibular para a academia de polícia para ter estabilidade financeira e se apaixonou pela profissão. Ela lembra quem se formou ao lado dela: de 122 cadetes, só 17 eram mulheres.
A precisão numérica também está nos dados de violência doméstica e familiar com que a major trabalha diariamente. Hoje mestra em Ciências Sociais, já foi coordenadora no Instituto de Segurança Pública fluminense e uma das organizadoras do Dossiê Mulher, que transforma esses dados em uma realidade palpável e sangrenta.
No ano passado, o relatório mostrou que 75% das tentativas de feminicídio e 57% das mulheres assassinadas no Rio de Janeiro foram vítimas de atuais ou ex-parceiros.
E não há lugar seguro para elas: 52% desses feminicídios aconteceram em casa, e 47,2% por uso de arma de fogo.
Aumento da posse pode aumentar número de mortes em casa
Às preocupações da major foi adicionada a flexibilização na posse de arma de fogo, decretada pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro.
“Qualquer situação que facilite o acesso das pessoas à arma — que vai estar no mesmo ambiente da vítima e do autor — aumenta a probabilidade do objeto ser usado para o feminicídio. Mas isso ainda é uma hipótese”, avalia.
“Aí vão dizer que a arma não dispara sozinha. Claro, mas quando os problemas aumentam, pode haver uma busca pela arma. No caso do feminicídio, o saldo é sempre o pior possível: a mulher morta, o homem preso ou suicida e as crianças órfãs.”
Com o dossiê, por exemplo, ela ajudou a descobrir que a violência doméstica atinge em cheio as mulheres mais vulneráveis. “As mulheres pretas são alvo das agressões mais graves. A taxa de negras vítimas de feminicídio é o dobro das brancas”, explica.
Ter acesso à imensidão de números de mortes, segundo Claudia, costuma causar duas reações: desgaste emocional ou uma espécie de calejamento, daqueles que criamos para resistir ao sofrimento. A major prefere uma terceira via: ajudar essas pessoas com os dossiês.
“Dentro de cada registro há hematomas, dores e o peso de pessoas e famílias destruídas. Não posso naturalizar isso.”
Marcos Candido