No mês do Agosto Lilás, Maria da Penha, que dá nome à lei, comenta os recentes ataques da extrema direita e reforça a importância da resiliência na luta pelos direitos das mulheres.
Em agosto, mês dedicado à conscientização sobre a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha completa 19 anos como um marco histórico na defesa dos direitos femininos no Brasil. Criada em 2006, a legislação foi responsável por estabelecer medidas protetivas e endurecer penas contra agressores, salvando milhares de vidas desde então.
Mas o cenário ainda é preocupante. Dados do Instituto Fogo Cruzado apontam que, apenas em 2025, pelo menos 29 mulheres foram vítimas de feminicídio ou tentativa de feminicídio com arma de fogo até a primeira quinzena de agosto, um aumento de 45% em relação ao mesmo período do ano passado.
Em meio a essa realidade, a própria Maria da Penha, que dá nome à lei, passou a ser alvo de ataques recentes. Produções do grupo Brasil Paralelo passaram a questionar sua trajetória e a relevância da legislação, espalhando desinformação na tentativa de enfraquecer a luta contra a violência de gênero.
Em entrevista exclusiva ao ICL Notícias, Maria da Penha comenta esses ataques, reflete sobre os avanços e desafios da legislação e fala sobre como o país pode enfrentar o crescimento da violência contra as mulheres.
Entrevista com Maria da Penha
ICL Notícias – A Lei Maria da Penha completou quase duas décadas. Há algum ponto que a senhora acredita que precise ser reformulado ou atualizado diante das novas formas de violência, como a violência digital?
Maria da Penha – A violência contra a mulher se adapta às tecnologias e às mudanças sociais. Quando a Lei Maria da Penha foi criada, em 2006, a violência digital ainda não tinha a dimensão que vemos hoje. Por isso, acredito que a lei deve estar sempre em diálogo com a realidade. Nos últimos anos, o Brasil avançou com leis específicas, como a que tipifica a violência psicológica e o crime de perseguição (Stalking), por exemplo.
Nosso desafio é integrar a proteção, de forma que essas “novas” estratégias da violência sejam adequadamente tratadas no fluxo de atendimento e proteção às mulheres, garantindo que polícia, Justiça e serviços especializados atuem com rapidez também no ambiente digital.
O Brasil ainda registra números altíssimos de feminicídio. Esse ano bateu recorde de notificações. O que falta para que a lei seja de fato aplicada em sua totalidade?
A Lei Maria da Penha é uma das melhores do mundo, segundo a ONU, mas nenhuma lei se cumpre sozinha. Faltam muitas coisas, uma delas é o investimento contínuo para sua plena aplicação.
Precisamos de mais delegacias especializadas, equipes treinadas, casas-abrigo, serviços de apoio psicológico e jurídico — e isso em todos os municípios, não apenas nas capitais ou grandes cidades.
Tenho falado recorrentemente sobre os pequenos municípios, chamando a atenção da sociedade para essa lacuna. Não é que as grandes cidades não tenham situações de violência, pelo contrário. É que muitas pequenas cidades no Brasil não dispõem de nenhum lugar de referência, centro especializado ou qualquer ação estratégica de prevenção à violência. É algo que me preocupa muito.
A interiorização é urgente! Além disso, é preciso que o sistema de justiça atue com agilidade. Uma medida protetiva que demora para ser concedida pode custar a vida de uma mulher.