Não me venha falar na malícia de toda mulher, por Antonia Pellegrino

03 de novembro, 2015

(Carta Capital, 03/11/2015) Esta coluna é da escritora, roteirista e feminista engajada Antonia Pellegrino, como parte do movimento #AgoraÉQueSãoElas

A alma de boa parte das mulheres está armada e apontada para a cara da desigualdade de gênero, da violência sexual e da dominação masculina que as engendra. E como não há luta sem voz, hoje esta coluna é da escritora e roteirista – e feminista engajada – Antonia Pellegrino, como parte do movimento #AgoraÉQueSãoElas:

Leia mais: O assédio é a única resposta do homem machista?, por Clarice Cardoso (Carta Capital, 31/10/2015)

Ou enganam, ou são enganadas

Por Antonia Pellegrino

O deputado e atual presidente da câmara deve estar rindo das mulheres que foram às ruas contra sua PL 5069/13, mais conhecida como PL do Aborto.

Segundo Cunha, “a legalização do aborto vem sendo imposta a todo o mundo por organizações internacionais inspiradas por uma ideologia neomalthusiana de controle populacional, e financiadas por fundações norte-americanas ligadas a interesses supercapitalistas”.

Para o deputado, os frutos deste lobby começaram a brotar nos Estados Unidos, em 1969, sob a presidência de Nixon, alçando seu auge poucos anos depois, no relatório Kissinger.

A partir do relatório, que “propunha o controle demográfico mundial como matéria de segurança nacional dos Estados Unidos” (sic), forças de oposição à política americana começaram a emergir em todo o mundo, e também dentro da América.

Hora de o lobby mudar de estratégia, e foi o que aconteceu, segundo argumentação de Cunha, a partir de 1974, quando “a direção das organizações Rockefeller, em conjunto com sociólogos da Fundação Ford, formularam uma nova tática na estratégia para o controle da população mundial”.

“Os meios para a redução do crescimento populacional, entre os quais o aborto, passariam a ser apresentados na perspectiva da emancipação da mulher, e a ser exigidos não mais por especialistas em demografia, mas por movimentos feministas organizados em redes internacionais de ONG’s sob o rótulo de ‘direitos sexuais e reprodutivos’.”

“Neste sentido, as grandes fundações enganaram também as feministas, que se prestaram a esse jogo sujo pensando que aquelas entidades estavam realmente preocupadas com a condição da mulher.”

Estará o deputado Eduardo Cunha verdadeiramente preocupado com a condição da mulher?

Hoje, se uma mulher for estuprada e engravidar, é direito dela ir diretamente ao hospital e realizar o procedimento. Caso o projeto do deputado entre em vigor, a estuprada terá que comparecer a uma delegacia, registrar ocorrência e se submenter a um exame de corpo de delito para comprovar o abuso.

Em seu Facebook, Eduardo Cunha afirmou: “o projeto de lei vai contra a impunidade, incentivando as vítimas reais a registrarem Boletim de Ocorrência; ajudando a combater este crime hediondo”.

Vítimas reais, deputado?

O projeto de lei do deputado Eduardo Cunha parte do princípio de que haveria mulheres utilizando o SUS para fazer abortos ilegais. Seu alegado objetivo seria, portanto, em última instância coibir a mentira. Concedo que não é absurdo supor que mulheres estariam mentindo para ter o direito ao aborto legal pelo SUS. Mas cabe perguntar: por que elas fariam isso?

Talvez a resposta possa vir da boca de Sandra Maria dos Santos Queiroz, a mulher que deixou seu bebê aos pés de uma árvore, há poucas semanas, no bairro de Higienópolis, na cidade de São Paulo. Quando perguntada por que “abandonou” seu filho, Sandra tapou o rosto e disse: “por desespero”.

Deputado, se as mulheres enganam, só o fazem porque são coagidas por um Estado que se diz laico, mas lhes retira o direito ao próprio corpo utilizando argumentos históricos para escamotear intenções nada laicas e nada preocupadas com a condição feminina.

E, se (algumas) mulheres são enganadas, é por políticas públicas como as propostas pelo senhor. Não passará. #AgoraÉQueSãoElas

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