#Meuprimeiroassédio e Mulheres contra Cunha fortaleceram a luta por direitos, que resulta hoje nos protestos do #Elenão
(07/10/2018 – acesse no site de origem)
A América Latina já estava em ebulição na reivindicação pelos direitos das mulheres quando o MeToo americano ganhou o mundo em 2017. Mas, segundo especialistas, o movimento tem impacto importante no sentido de fortalecer a organização feminista pelo mundo.
Dois anos antes, em outubro, a hashtag #Meuprimeiroassédio inundava as redes sociais das brasileiras, enquanto protestos contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, lotavam as ruas das principais cidades do país. A efervescência das mobilizações foi tanta que o período ganhou o nome de “Privamera feminista”. A recorrência das mobilizações é o pano de fundo para que, anos depois, de acordo com estudiosas, apareça movimentos como o #Elenão, contra a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência.
— Nosso MeToo teve outro nome, era o #Meuprimeiroassédio e aconteceu dois anos antes. Isso ajudou a estruturar essa onda feminista no Brasil — explica a cientista política da UFF, Débora Thomé.
A campanha #Meuprimeiroassédio dominou a internet após uma menina de 12 anos que participava de um programa culinário na TV ser alvo de comentários de cunho sexual na internet. Na época, as brasileiras publicaram relatos sobre a primeira vez que foram assediadas. No mesmo mês, teve início outro movimento que levou inúmeras mulheres a protestarem contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, autor de um projeto de lei que dificultava a realização de aborto em caso de estupro.
A “Primavera feminista” brasileira, como o período ficou conhecido, de acordo com Carolina Branco de Castro Ferreira, antropóloga e pesquisadora do núcleo Pagu/Unicamp, tem em sua raiz as jornadas de junho de 2013, quando milhares de brasileiros foram às ruas.
— Depois de junho, houve uma disputa sobre o sentido da tomada das ruas entre progressistas e conservadores que ainda está acontecendo. Um efeito disso é a primavera feminista — diz.
Para Débora Thomé, essa agenda de luta feminista dos últimos anos desemboca no movimento “#Elenão”, contra a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência:
— A pauta contra o assédio tem uma relação indireta com “mulheres contra Bolsonaro”. O assédio começa a reunir as mulheres e elas percebem que conseguem criar um pleito coletivo, que têm força para lutar por outras coisas. Desde o “Fora Cunha” ela estão na rua, não é um movimento espontâneo que veio do MeToo.
América Latina como referência
Outros países da América Latina não fizeram por menos. Também em 2015, a Argentina realizava as marchas do “Ni una a menos”, que pediam o fim da violência contra a mulher. A frequência das reivindicações feministas aumentou ano a ano até culminar nos protestos pela legalização do aborto, que foi rejeitada pelo Senado argentino em agosto desse ano. Todo esse contexto contribuiu para que, neste ano, diversas mulheres denunciassem episódios de assédio, inclusive cometidos por celebridades, o chamado #Yotambién argentino, em referência ao #MeToo americano. Já no México, em 2016, foi lançada a campanha #Miprimeroacoso, inspirada na hashtag brasileira contra o assédio.
— Existe um cenário internacional de fortalecimento dessa voz pública das mulheres, de maneira que é difícil dizer de onde vem a influência. Argentina, México e Brasil estão se tornando referência— opina a professora de Ciência Política da UNB, Flávia Biroli.
A pavimentação do caminho para que todas essas iniciativas ganhassem proporção a nível mundial, no entanto, não é recente, mas sim um processo de anos.
— Essas mobilizações são fruto de um processo histórico que vem acontecendo desde o período pós-Segunda Guerra com uma radicalização dos movimentos feministas, e da luta pelos direitos civis. Não há um fato isolado, é um processo histórico que temos visto tomar força. Não que tenha sido o MeToo que influenciou outras campanhas, são fenômenos que acontecem em sincronia. As relações de causa e efeito do MeToo são muito complexas e difusas — afirmou Carolina.