(Rádio Câmara) O Brasil ocupa a 7ª posição no mundo em número de assassinatos de mulheres entre 84 paÍses. Nos Últimos 30 anos, 92 mil mulheres foram mortas em decorrência da violência doméstica. O relatório final da CPMI da Violência contra a Mulher foi entregue, na semana passada, para a presidente Dilma Rousseff. O documento, com mais de mil páginas, traz um diagnóstico do problema em todo o país e apresenta 73 recomendações às diferentes esferas do governo. A violência contra a mulher é o tema da série especial desta semana. A reportagem é de Ana Raquel Macedo.
Em 1989, um crime chocou Pernambuco. Em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana de Recife, José Ramos Lopes Neto, inconformado com a separação, atira na ex-mulher, Maristela Just; no filho caçula, Zaldo, então com dois anos; na filha mais velha, Natália, à época com quatro anos; e no ex-cunhado, Ulisses Just. Maristela morreu na hora. As outras vítimas sobreviveram. José Ramos foi preso em flagrante, mas, beneficiado por um habeas corpus, permaneceu recluso por apenas um ano. O processo, então, se arrastou por 21 anos na Justiça, quando, em 2010, o réu foi condenado a 79 anos de prisão. José Ramos, no entanto, fugiu e, somente em 2012, 23 anos após o crime, foi encontrado a partir de uma denúncia anônima.
Natália Just, hoje com 28 anos, conta as angústias pelas quais ela e o irmão passaram durante todos esses anos.
“A gente infelizmente cresceu com ele solto, com impunidade em cima das costas da gente. Tendo que inventar história quando perguntavam sobre isso. Cadê seus pais? Ah, morreu num acidente. A gente tinha vergonha de contar o que realmente aconteceu. Não pelo ponto de vista de ser vítima de violência. Mas do ponto de vista da vergonha pela Justiça, por não ter tido uma resposta. Ele fez isso, tirou a mãe da gente, deixou a gente com sequelas físicas e ficou por isso mesmo. (…) O que mais assustava a gente por ter ficado 21 anos impune foi porque foi um caso tão explícito e foi tratado como se fosse um furto de galinha.”
O caso de Maristela Just, infelizmente, não é isolado. O assassinato de mulheres em decorrência da violência doméstica, familiar, sexual ou pelo simples fato de ser mulher continua envergonhando o país. Entre 84 nações, o Brasil ocupa a sétima posição com uma taxa de 4,4 homicídios em 100 mil mulheres, atrás apenas de países como El Salvador, Colômbia e Rússia.
Segundo o Instituto Sangari, nos últimos 30 anos, perto de 91 mil mulheres foram assassinadas em território nacional. Mais de 43 mil apenas na última década. Espírito Santo e Alagoas lideram o ranking de homicídios femininos.
O Congresso investigou o tema por mais de um ano em uma comissão de inquérito de senadores e deputados. E uma das principais conclusões da chamada CPMI da Violência contra a Mulher é de que as políticas públicas de enfrentamento do problema ainda não dão conta de frear as agressões.
Por isso, no relatório final, a comissão propõe uma série de mudanças na lei. Entre elas, a defesa de que o feminicídio seja considerado um agravante do homicídio, com pena de prisão de 12 a 30 anos. A presidente da CPMI, deputada Jô Moraes, do PCdoB mineiro, explica.
“Na maioria dos assassinatos de mulheres que são apresentados à sociedade, o criminoso é obviamente apresentado. A materialidade do crime é imediata e os procedimentos têm que levar em conta essa questão. Por isso, sem dúvida nenhuma, a tipificação do feminicídio ajudará a agilizar o julgamento dos processos e a punir criminosos.”
Estudiosos do assunto no Brasil e no mundo concordam que o assassinato de mulheres em razão de gênero deve ser punido como um crime específico. Segundo a advogada Luana Natielle, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Cfemea, a complexidade do tema exige a tipificação do feminicídio.
“A tipificação não é apenas simbólica. Mas ela é importante porque a previsão de crime de violência de gênero não existe no Código Penal brasileiro. (…) Violência doméstica e familiar é violência de gênero. A violência, por exemplo, da menina que vai a um baile funk e usa determinado tipo de roupa e alguma pessoa que não tem relação com ela a mata porque mulher não pode se vestir assim. Isso é violência de gênero. Feminicídio serve para proteger mulheres que passam por diversas atrocidades.”
No governo, o assunto ainda está em análise, segundo a diretora do Departamento de Políticas, Programas e Projetos do Ministério da Justiça, Cristina Villanova.
“Ainda não tiramos um posição do governo federal. Existem algumas nuances e, por isso, precisamos fazer avaliação adequada para isso. Depois, de que forma a gente vai dar tratamento para informação no sentido de caracterização? Por exemplo, se uma mulher é assassinada, de que forma o órgão que faz o registro dessa ocorrência vai poder entender e qualificar a motivação, se é um crime em razão de gênero ou em razão de outras circunstâncias.”
Apesar dos dados alarmantes, o relatório final da comissão de inquérito da Violência contra Mulher reconhece que houve avanços nos últimos anos.
A CPMI cita a Lei Maria da Penha (11.340/06), em vigor há sete anos, como um instrumento importante de prevenção e punição mais rigorosa dos agressores. Outra iniciativa positiva foi a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres pelo Executivo federal como um órgão de articulação e cobrança de medidas entre as diferentes esferas de governo e de poder. E, mais recentemente, o anúncio do programa federal Casa da Mulher Brasileira, que deverá motivar a instalação de centros de atendimento multidisciplinar às vítimas de violência nas 27 capitais.
Entre os estados, segundo a comissão, o Espírito Santo se destaca pelo programa piloto “Botão do Pânico”, uma experiência em teste pelo Tribunal de Justiça que consiste na distribuição de dispositivos equipados com GPS a 100 mulheres em grave risco. A ideia é que, no caso da aproximação do agressor, a mulher possa acionar o botão e, em tempo real, informar sua localização à guarda municipal de Vitória. O sistema, uma vez acionado, também grava o áudio ambiente.
Acesse o PDF: A violência contra a mulher (Agência Câmara, 02/09/2013)