06/01/2013 – Estupro leva Índia a exame de consciência em busca de respostas

06 de janeiro, 2013

(BBC Brasil) O estupro e morte de uma estudante de 23 anos em Nova Déli espalhou uma onda de indignação pela Índia. Mas será que uma visita a uma área da cidade central nessa história oferece alguma pista sobre a direção para a qual se encaminha o país?

Um pequeno limão chamou a minha atenção ao chegar à porta de um casebre de tijolos no qual o motorista do ônibus onde a estudante foi estuprada, um dos acusados nesse caso terrível, vive com seu irmão.

Estava pendurado em um fio sobre a porta de madeira – havia sido colocado lá na semana passada, disse um vizinho – como um amuleto para evitar mau olhado.

Essa região superlotada no sul de Nova Déli está no momento envolta em uma sombra de vergonha – porque quatro dos seis acusados do brutal estupro e assassinato da jovem moram aqui.

O caso também manchou a imagem da Índia no exterior.
‘Lado obscuro’

Como sempre, jornalistas cobrindo essa história vêm aqui em busca de símbolos de um retrato mais amplo – e este local passou a significar o lado obscuro da

Índia que muitos acreditam estar por trás deste crime horrendo.

Os moradores daqui são, em sua maioria, migrantes que vieram de áreas rurais pobres do país, amplamente consideradas berço de atitudes conservadoras em relação às mulheres, onde dados mostram que estupros são comuns, mas raramente denunciados, por causa do estigma social.

Faz sentido que o nome deste bairro em Nova Déli venha de um santuário próximo dedicado a um homem nascido na casta dos intocáveis.

E, no entanto, a narrativa que muitos têm dado a este local não faz tanto sentido. Esta não é uma favela para migrantes rurais “recém-chegados”, como alguns relatos têm sugerido.

Muitos moradores vivem aqui há 20 anos. Não é um local de vida confortável, mas é bem melhor que muitas favelas que eu já visitei. Tem casebres sólidos, pintados com capricho em cores vivas, e todos têm acesso a serviços básicos como eletricidade, água e esgoto.

“Não pense que nós somos todos como os acusados”, disse outra vizinha. “Quando se mói o trigo para fazer a farinha, insetos vêm junto também.”

Todas as crianças aqui vão à escola todos os dias. Enquanto conversava com vizinhos, notei três garotos mais velhos ouvindo. Eles todos falavam inglês fluentemente e estudavam economia em uma faculdade local.

Eles não ficariam deslocados no meio da multidão de jovens que participaram de protestos contra o estupro nas últimas semanas.

Sim, eles conheciam alguns dos acusados, “mas você não deve pensar que somos todos iguais a eles”, disseram.

Realidades
Isso me fez pensar sobre as muitas realidades diferentes nessa história.

Como muitos outros, eu fiz reportagens sobre indianos de classe média, jovens e velhos que vêm assumindo a liderança.

A história é sempre de que essas são as pessoas lutando por um país mais liberal e aberto.

Mas há muitas evidências de que as classes mais ricas e educadas da Índia podem ser tão sexistas quanto as outras em suas atitudes em relação às mulheres.

Todos os anos, milhares de fetos do sexo feminino são abortados por causa da tradicional preferência por filhos homens. Médicos e enfermeiras são subornados para revelar o sexo das crianças durante a gravidez.

Governo prometeu agilidade no processo judicial, mas não abordou questões culturais mais amplas

Essa prática vem levando a uma crescente distorção no número de mulheres em relação ao número de homens. E uma das piores distorções é vista na rica zona sul de Nova Déli.

Assim como em um pequeno vilarejo, muitas famílias de classe média também preferem ter um filho homem, que possa herdar seus bens.

Uma das muitas consequências de se ter menos mulheres é o aumento no tráfico para casamentos forçados e prostituição – e o ciclo de abusos continua.

E apesar de o governo da Índia, liderado pelo Partido do Congresso, ter condenado o estupro coletivo da estudante e prometido agilidade no processo judicial, nenhum político até agora abordou as questões culturais mais amplas envolvidas neste caso.

Mudanças
No entanto, algo também mudou nas perguntas que as pessoas estão fazendo e em como estão agindo.

Durante a semana eu entrevistei uma mulher que sobreviveu a um estupro e, anos depois do ataque, continua lutando por justiça.
Ela se juntou aos protestos nas ruas de Nova Déli – onde houve vários relatos de homens aproveitando a oportunidade para apalpar mulheres.

Mas ela disse que ficou surpresa também com o número de jovens homens que intervieram nessas tentativas, ajudando a protegê-la e a suas amigas, formando um círculo ao redor delas caso alguém se aproximasse.

Músicos e diretores de Bollywood se viram repentinamente sob pressão para justificar canções e filmes que retratam as mulheres como objetos sexuais.

Detalhes chocantes do crime e da ação das autoridades relatados em uma entrevista pelo amigo que acompanhava a vítima no dia do estupro deverão encorajar um exame de consciência ainda maior.

E uma imagem não sai da minha memória nessas últimas semanas – a de um homem indiano em um dos protestos, sentado e com uma vela diante de seus pés, tranquilamente demonstrando solidariedade à jovem brutalmente assassinada.

Ele segurava um cartaz que dizia: “Vamos primeiro olhar par nós mesmos”.

Acesse em pdf: Estupro leva Índia a exame de consciência em busca de respostas (BBC Brasil – 06/01/2013)

 

 

 

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