(O Estado de S. Paulo) Em 4 meses, foram 241 pedidos na cidade de São Paulo; vítimas solicitam que agressor seja proibido até de mandar e-mail
A violência doméstica leva duas mulheres por dia ao Ministério Público Estadual em busca de proteção da Justiça. De janeiro a abril deste ano, o órgão registrou na capital 241 pedidos de medidas cautelares. A maioria das vítimas quer que o agressor mantenha distância mínima, afaste-se de casa ou seja proibido de entrar em contato até por e-mail. O número representa mais da metade das 476 solicitações feitas no ano passado.
Leia também: ES: Por dia, 16 mulheres precisam de proteção (gazetaonline.com – 12/06/2012)
Na prática, a ordem judicial dá à vítima o direito de pedir a prisão de seu agressor, em caso de descumprimento. A Justiça adverte o suspeito apenas na primeira desobediência – a reincidência leva diretamente à cadeia. Com a decisão em mãos, basta acionar a polícia no momento do flagrante.
Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) explica parte da alta na demanda. Em fevereiro, o tribunal determinou que o MPE pode entrar com ação criminal mesmo sem a vontade da vítima. Antes, para que fosse cumprida a Lei Maria da Penha, a mulher precisava apresentar uma representação contra o agressor.
A obtenção da proteção judicial, no entanto, pode causar uma falsa sensação de segurança, de acordo com a promotora de Justiça Valéria Scarance, do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid). “Quando conseguem a cautelar, muitas mulheres desistem de levar o processo adiante. Por causa da relação de amor e ódio que mantêm com o agressor, elas se contentam com o afastamento, o que é um risco.”
Para a promotora, o ciclo de violência não se encerra automaticamente com a determinação da medida. “Não adianta só proteger. A vítima tem de mudar sua mentalidade, buscar ajuda para se libertar da situação de dominação em que vive.”
Longo tempo
Na maioria dos casos, o pedido de ajuda só ocorre depois de repetido sofrimento. De acordo com informações do Gevid, são precisos dez anos, em média, para uma mulher adulta fazer a denúncia. Na lista de dificuldades está a falta de apoio da família. “Agressores normalmente são pessoas de credibilidade. Trabalham, não têm antecedentes e, para muitos, não são capazes de fazer o mal.”
Na maioria dos casos, o pedido de ajuda só ocorre depois de repetido sofrimento. De acordo com informações do Gevid, são precisos dez anos, em média, para uma mulher adulta fazer a denúncia. Na lista de dificuldades está a falta de apoio da família. “Agressores normalmente são pessoas de credibilidade. Trabalham, não têm antecedentes e, para muitos, não são capazes de fazer o mal.”
A dependência financeira é outro empecilho para a denúncia. C.O., de 30 anos, suportou por dois anos as agressões físicas do marido. Boliviana, dependia dele para se manter em São Paulo. No limite, saiu de casa há três meses e registrou queixa na delegacia. “Não queria que terminasse, mas sei que ele ficaria bom por um mês e depois tudo voltaria a acontecer.”
Alta indica que as vítimas chegaram ao limite da dor
É um bom sinal saber que cada vez mais mulheres têm buscado proteção na Justiça. Isso mostra que elas têm aumentado seu conhecimento em relação aos seus direitos. Quanto mais mulheres tomarem essa atitude, menor será a frequência da violência. A alta demanda, porém, revela também que os casos de violência estão atingindo níveis extremos. Isso porque a grande maioria das vítimas não denuncia na primeira vez. Elas só buscam ajuda quando chegam ao limite. E mesmo assim não são todas. Muitas estão desacreditadas até para dizer basta.
E há um lado negativo nessa estatística: depois de conseguir a medida cautelar, boa parte das vítimas se dá por satisfeita. Elas acham que conseguiram acabar com a violência dando um susto no agressor. Mas essa é uma aposta traiçoeira porque pode abrir uma brecha para o desejo de vingança. É por isso que, quando tomam essa iniciativa, as mulheres precisam estar preparadas para agir – não sucumbir aos pedidos de perdão, que certamente vão acontecer, mas seguir em frente com o processo e até chamar a polícia se preciso. Também têm de ter consciência de que a violência doméstica não acaba com a prisão do agressor. É preciso mais. Só quando tivermos uma rede capaz de acolher bem vítima e agressor é que os números vão de fato cair.
Análise: Ana Paula Mallet Lima (psicóloga, integrante do núcleo de violência doméstica da UNIFESP)
Leia em PDF: Duas mulheres pedem proteção à Justiça por dia em SP (O Estado de S. Paulo – 14/06/2012)
Alta indica que as vítimas chegaram ao limite da dor (O Estado de S. Paulo – 14/06/2012)