17/04/2013 – O que você chama de “saia justa” eu chamo de estupro — O caso Gerald Thomas, por Jéssica Barbosa

17 de abril, 2013

Circula na web nos últimos dias a imagem da gravação do programa Pânico, que contou com a participação da apresen­ta­dora Nicole Bahls e gerou polê­mica e espanto por boa parte d@s internautas.

A ima­gem mos­tra Gerald Thomas, dire­tor de tea­tro, ten­tando enfiar as mãos por den­tro do ves­tido de Nicole durante uma entre­vista. O claro des­con­forto de Nicole, no entanto, não foi sufi­ci­ente para que se inter­rom­pesse a gra­va­ção. Esta ausên­cia de rea­ção por par­tes das pes­soas que par­ti­ci­pa­vam da gra­va­ção reflete aspec­tos de uma cul­tura peri­go­sa­mente comum: a cul­tura do estupro.

A pala­vra estu­pro pode ser con­si­de­rada forte para alguns, mas a con­duta está pre­vista no Código Penal Brasileiro. De acordo com reda­ção do art. 213 do CPB temos: “Constranger alguém, medi­ante vio­lên­cia ou grave ame­aça, a ter con­jun­ção car­nal ou a pra­ti­car ou per­mi­tir que com ele se pra­ti­que outro ato libi­di­noso”. Pela expres­são “ato libi­di­noso” estão con­ti­dos todos os atos de natu­reza sexual, que não a con­jun­ção car­nal, que tenham por fina­li­dade satis­fa­zer a libido do agente.

Quando atos como esses, que infe­liz­mente são comuns, acon­te­cem as pri­mei­ras mani­fes­ta­ções que são vis­tas são de que a mulher con­tri­buiu de alguma forma para o ocor­rido. No caso de Nicole, e sua posi­ção de “PaniCat”, as ale­ga­ções são ainda mais cruéis. “Ela estava pedindo” ou “Ela merece” são comen­tá­rios comuns nas redes soci­ais quando na ver­dade se sabe que a culpa pelas agres­sões nunca é da vítima, mas sim do agres­sor. O maior exem­plo disso foi a jus­ti­fi­ca­tiva que Gerald Thomas deu para seu ato: “a mulher não é um objeto. Mas não deve­ria se apre­sen­tar como tal”.

A mídia, que repro­duz em muito de seus canais de comu­ni­ca­ção a cul­tura machista que viven­ci­a­mos, aborda a situ­a­ção com natu­ra­li­dade. A trans­for­ma­ção do corpo da mulher como um pro­duto ven­dá­vel em comer­ci­ais e pro­gra­mas de tele­vi­são reflete cla­ra­mente os valo­res da cul­tura patri­ar­cal que vive­mos, em que o corpo, a mente e as deci­sões das mulhe­res são obje­tos de con­trole fre­quen­tes. A pro­pa­ga­ção dessa cul­tura dá sus­ten­ta­ção aos argu­men­tos absur­dos de que a vio­lên­cia deve ter sido pro­vo­cada pela vítima. Infelizmente, esta inver­são de culpa acaba por trans­for­mar homens em seres irra­ci­o­nais pre­pa­ra­dos para o ata­que e mulhe­res em seres sub­mis­sos, tendo que escon­der suas expres­sões, seja na ves­ti­menta, seja nos seus atos, para que não sejam con­si­de­ra­dos um con­vite ao estupro.

Em um estudo rea­li­zado com uni­ver­si­tá­rios ame­ri­ca­nos e publi­ca­dos no livro Body Wars, Margo Paine expõe que 30% dos entre­vis­ta­dos res­pon­de­ram que estu­pra­riam caso não hou­vesse con­sequên­cias legais; 8% reve­la­ram já ter estu­prado ou ten­tado estu­prar, e 83% con­cor­da­ram com a expres­são “algu­mas mulhe­res estão pedindo para ser estupradas”.

Dados como esse reve­lam que essa natu­ra­li­za­ção que ensina os homens ata­car tam­bém gera con­sequên­cias sérias nas vidas das mulhe­res. A natu­ra­li­za­ção do assé­dio que as mulhe­res sofrem faz com que mui­tas res­trin­jam suas liber­da­des em prol de uma falsa sen­sa­ção de segu­rança. E a res­tri­ção apa­rece em ori­en­ta­ções como não sair de casa a noite, não ves­tir deter­mi­na­dos tipos de roupa, não andar sozi­nha por deter­mi­na­das localidades.

A cada 12 segun­dos uma mulher é estu­prada no Brasil¹. E você? Até quando vai se sub­me­ter a uma cul­tura de violência?

* Jéssica Barbosa é da equipe de Direitos das Mulheres, da ActionAid e o texto fez parte da rede Activista Brasil, rede cola­bo­ra­tiva de jovens ati­vis­tas enga­ja­dos na luta pelo fim da pobreza.

Acesse em pdf: O que você chama de “saia justa” eu chamo de estupro — O caso Gerald Thomas, por Jéssica Barbosa (OGrito! – 17/04/2013)

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