( O Globo) A escritora Rosiska Darcy de Oliveira assina artigo sobre a impunidade da violência contra as mulheres e as tentativas de culpar a vítima. Leia a seguir alguns trechos selecionados:
“Uma ‘piranha’ querendo extorquir o goleiro do Flamengo, me explicou um chofer de táxi, indignado com a injustiça contra o acusado. A outra, adúltera, palavra maldita na boca de aiatolás escandalizados, no Irã do companheiro Ahmadinejad.”
“As Delegacias de Atendimento à Mulher foram necessárias. Quem recorria a uma delegacia comum esbarrava no preconceito da própria polícia. Mereceu a surra que levou? Provocou com pérfida sedução o estupro que sofreu? Houve quem risse, cúmplice, quando o goleiro Bruno perguntou qual o homem que, na vida, nunca saiu na mão com uma mulher. Quem se associaria hoje, mesmo em um sorriso, a tão ilustre pensador?”
“Tão perigosa quanto a violência explícita do crime ou a inoperância da Justiça é a violência surda dos olhares enviesados, dos ‘mas’ ou ‘talvez’ que desculpam a brutalidade, argumentando que a moça não era nenhuma santa. Crimes bárbaros encontram atenuante nos ‘pecados’ sexuais atribuídos às mulheres. Só elas são ‘vagabundas’, resguardado aos homens o direito a fazer em matéria de sexo o que bem quiserem sem que isso interfira em outros aspectos de suas vidas ou reputação.”
Don Juan e Casanova são os modelos mais acabados da virilidade bemsucedida. A literatura está cheia de exemplos de rapazes pobres que “sobem na vida” casando-se com herdeiras e tudo se passa em um clima de esperteza consentida e incentivada. Não há masculino para piranha. (…) Políticos fazem orgias, jogadores de futebol também, condenadas são as mulheres que delas participam. Eles não, apenas exercem um direito ancestral — são folguedos, farras — em que usam seres humanos como coisas que desprezam.”
“Assassinos de mulheres não são necessariamente psicopatas. São criminosos que acreditam no seu bom direito de matar e por isso não se arrependem. Mortas, suas vitimas continuam a ser culpadas. Há países islâmicos em que as impuras são jogadas em um buraco e apedrejadas. Não seria essa a encenação perfeita, a atualidade e materialização de uma lei que, não escrita, ainda vigora, também entre nós, inconsciente ou inconfessa?”