(Agência Câmara) Segundo a CPMI que investigou por um ano a violência contra a mulher no País, as casas-abrigo precisam ser repensadas como principal alternativa para abrigar e proteger as vítimas em risco grave.
Joana (nome fictício) fugiu para a única casa-abrigo do Distrito Federal com o filho de cinco anos após inúmeras ameaças e agressões físicas e psicológicas do marido. O local, mantido em sigilo, tem capacidade para até sessenta pessoas, entre mulheres e dependentes, e oferece atendimento psicológico, jurídico e social a vítimas de violência doméstica e familiar. A decisão de se esconder e abandonar tudo, segundo Joana, veio num momento em que não via outra forma de proteção.
“Quando foi em dezembro, fiquei sabendo que ele estava envolvido com outro problema relacionado à Lei Maria da Penha. Ele tinha outra mulher, uma amante antes de mim. Ele a coagiu. Só que eu casei, sob coação dele. Não queria casar. E ele: você vai casar, sim, no papel. E acabei passando o papel”, conta a vítima. “Aconteceu que, na época, morava em Águas Claras, mudei para Asa Sul e minha vizinha era da Aeronáutica. Ela, vendo tudo aquilo, me contou da casa-abrigo e falou: pega teu filho e some com esse menino, antes que ele faça alguma coisa, porque ela escutava tudo, juntamente com outra vizinha. Foram essas duas vizinhas que me ajudaram. Daí, fugi para cá.”
O isolamento da vítima em uma casa-abrigo pode ser uma alternativa quando outras medidas protetivas não surtem resultado. No caso de Joana, no entanto, o abrigo foi a primeira opção, já que, quando tentou na Justiça impedir o marido de se aproximar dela, não conseguiu reunir provas e testemunhas para obter êxito no pedido.
Casas-abrigo precisam ser repensadas
Segundo a comissão de inquérito que investigou no Congresso por um ano a violência contra a mulher no País, as casas-abrigo precisam ser repensadas como principal alternativa para abrigar e proteger as vítimas em risco grave. Para a CPI mista, o confinamento e rompimento temporário de vínculos com o mundo lá fora, muitas vezes, desestimulam as vítimas a procurar ajuda.
Na avaliação da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), os desafios são mundiais e ela teve oportunidade de constatar isso quando participava da investigação da CPI do Tráfico de Pessoas, cujas maiores vítimas são as mulheres. “Numa viagem que fizemos aos Estados Unidos, a convite do governo americano, visitamos várias casas, com endereços que não são conhecidos, de abrigo para essas pessoas, e, lá, elas conseguem ter uma qualidade de vida um pouco melhor”, conta a senadora.
“Mas também são detidas num espaço muito bem delimitado porque sofrem risco de morte, pois a vida delas e dos filhos estão ameaçadas. Então, é óbvio que a gente precisa avançar numa mudança de visão para que o homem que ameaça a mulher seja preso, e ela possa ficar levando uma vida um pouco mais normal”, acrescenta.
Prisão preventiva do agressor
No relatório final, a CPMI propõe que a Lei Maria da Penha (11.340/06) mude para que, uma vez determinado pela Justiça que a vítima seja abrigada, o juiz e o Ministério Público se manifestem necessariamente sobre a prisão preventiva do agressor.
Além da casa-abrigo, a Lei Maria da Penha prevê que o juiz, constatada a violência contra a mulher, pode proibir o agressor de se aproximar da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, estabelecendo um limite mínimo de distância entre eles.
Pode, além disso, obrigar o agressor a se afastar do convívio com a vítima e a não frequentar determinados lugares, de maneira a preservar a integridade física e psicológica da ofendida. Para o cumprimento das medidas, pode ser usada a força policial.
Alternativas
Mas nem sempre a polícia chega a tempo de impedir uma tragédia. E, por isso, alguns estados estão testando alternativas, como destaca o juiz Álvaro Kálix Ferro, do Conselho Nacional de Justiça. “Algumas experiências são importantes para efetivação para essas medidas protetivas, a exemplo do “Botão do Pânico”, que está em andamento no Espírito Santo, em Vitória: é um dispositivo que a mulher aciona toda vez que se sente ameaçada novamente pelo agressor. Esse dispositivo grava o áudio, informa a central que a mulher está na iminência de sofrer nova violência”, explica o juiz.
Outro dispositivo, acrescenta o juiz, é a tornozeleira eletrônica, que fica junto à mulher, e está sendo utilizado em Minas Gerais. “Então, quando o agressor eventualmente se aproxima da mulher, há um sinal do dispositivo dessa tornozeleira que fica nele. O dispositivo com a mulher e a própria central entra em contato com a Polícia Militar para evitar violência.” O juiz Álvaro Ferro também destaca a experiência feita pela patrulha de Porto Alegre, que faz ronda naqueles locais em que há determinação de medida protetiva pelo juizado.
Desafios da Lei Maria da Penha
A Organização das Nações Unidas (ONU) considera a Lei Maria da Penha uma das três melhores legislações do mundo em proteção e prevenção à violência contra a mulher. Em sete anos de vigência, a norma ainda enfrenta desafios para ser integralmente cumprida, segundo a comissão que investigou o tema no Congresso. Entre eles, a necessidade de estruturação mais eficiente da rede de equipamentos públicos disponíveis para atendimento às vítimas, como delegacias, juizados e centros de referência especializados.
Um dos pontos de apoio às vítimas nas cidades com mais de 20 mil habitantes são os Centros de Referência Especializados de Assistência Social, os Creas. Até o fim do ano, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, haverá Creas em todas as cidades com esse perfil, totalizando cerca de 2.500 centros. O trabalho é voltado ao atendimento de famílias e indivíduos em situação de violência, em uma parceria entre governo federal e municípios.
De acordo com a secretária de Assistência Social do ministério, Denise Colin, as agressões físicas e psicológicas contra mulheres adultas são os mais frequentes entre os diferentes casos de violência atendidos pelos Creas no País.
Ela explica que os centros buscam conquistar a confiança das vítimas para romper o ciclo de violência que, às vezes, atravessa gerações. Isso se dá por meio do “fortalecimento da rede de proteção para garantir essa segurança de que a mulher procure o serviço, sinta apoio nesses espaços, tenha uma retaguarda”.
Mas o desafio se torna maior, “porque, na maioria dos casos, não só elas têm uma dependência financeira, mas psicológica também. Se preocupam muito com os demais membros da sua família. Têm receio de fazer denúncia, têm receio de procurar esses espaços, da própria reação”.
Denise Colin considera que também é preciso uma intervenção maior em relação ao próprio agressor. “Os estudos mostram que ele acaba reproduzindo violações e violências que eles também sofreram quando da sua fase de desenvolvimento. É necessário conseguir intervir e quebrar esse ciclo de reprodução de violência com as próprias famílias. É uma coisa muito difícil, muito subjetiva, peculiar de cada um dos grupos.”
Melhorar qualidade de vida
Além dos centros especializados no atendimento a vítimas de violência, existem no país quase 8 mil Centros de Referência em Assistência Social, os Cras. Também mantidos em parceria entre o governo federal e gestores locais, os Cras buscam melhorar a qualidade de vida de famílias em áreas de vulnerabilidade social. Em 87% desses centros, grupos de mulheres são convidados a participar de oficinas sobre direitos e importância de uma convivência familiar harmoniosa.
Para a comissão do Congresso que investigou o tema, o rompimento do ciclo de violência passa também pela garantia de que as mulheres mais vulneráveis socialmente tenham condições de sobrevivência caso decidam se afastar do agressor. No relatório final, a CPMI propõe a criação de um novo benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, às vítimas de violência doméstica que não tenham condições de se manter financeiramente. O pagamento seria feito enquanto durasse a causa da agressão.
Questionado sobre a viabilidade do benefício, o Ministério do Desenvolvimento Social alegou não ter recebido da comissão informações para se manifestar.
Acesse o PDF: Saiba como funcionam os instrumentos de proteção e assistência às mulheres (Agência Câmara, 26/08/2013)